Hoje é um bom dia para contar histórias um pouco mais longas, porque até pode servir como leitura de final de semana. Espero que eu consiga manter a atenção de vocês, porque foi uma experiência – pelo menos para mim – bem interessante.
De vez em quando recebo cartinhas de leitores informando sobre coisas que eles conhecem, presenciaram ou desconfiam e que acham que pode render alguma nota no blog ou na coluna. Esta semana, recebi uma que levantava uma suspeita sobre dois processos de compra de serviços, por intermédio de carta-convite, feitos pela Secretaria de Estado da Administração.
Um dos sócios da empresa vencedora seria marido da funcionária encarregada do processo licitatório. Os serviços contratados custariam algo em torno de R$ 140 mil cada um.
Fui saber como é que era a história. Com alguma tristeza, vi que quase tudo, da cartinha do leitor (ou seria leitora?) se confirmava: a funcionária era de fato responsável pelo processo licitatório, mas atuou apenas em um dos casos. É casada com um dos sócios da empresa (uma outra sócia assina a papelada e tem seu nome publicado no Diário Oficial, nos registros do contrato). Nenhuma novidade, portanto.
Esses casos são mais comuns do que deveriam e encarados com maior naturalidade do que recomenda o bom senso. O raciocínio que legitima coisas como esta é simples: qualquer empresa pode participar, mesmo em carta-convite, o edital é público e teoricamente, aberto a qualquer interessado. Proibir alguém de participar apenas porque tem parente trabalhando no órgão público que promove a licitação soa, aos ouvidos calejados de quem lida com isso, como um absurdo. Quase uma injustiça.
Além do mais, neste caso específico, argumenta a funcionária que não houve qualquer privilégio: foi escolhido o menor preço. E jura que tudo foi feito com a maior lisura.
A MULHER DE CESAR
Provavelmente por causa de meu nome, conheço desde muito jovem esse ditado atribuída ao imperador romano: “À mulher de Cesar não basta ser honesta, ela tem que parecer honesta”.
Se bem me lembro em 62 a.C. Pompéia Sula, segunda mulher do Júlio César promoveu a festa religiosa da Boa Deusa (Bonna Dea) onde nenhum homem poderia entrar. Mas Publius Clodius Pulcher, jovem rico e insolente, porém popular, deu um jeitinho pra entrar. Ao que se comentava, na época, pra namorar Pompéia. Um escândalo. César divorciou-se de Pompéia imediatamente. Publius Clodius foi acusado de sacrilégio e julgado. Chamado a depor como testemunha, César disse que nada tinha, nem nada sabia contra o acusado. O espanto foi geral entre os senadores: “Então por que se divorciou da sua mulher?” A resposta tornou-se famosa: “Sobre a mulher de César não deve pesar qualquer suspeita”.
Existem, portanto, pelo menos dois níveis de análise em qualquer ato que envolva dinheiro público e agentes políticos: o que parece e o que é. O ideal é que as coisas sejam exatamente o que parecem ser. Se há uma aparência de desonestidade, vai-se por terra todo o esforço de ter realizado criteriosamente o trabalho.
No caso que estamos examinando, em todo caso, não foi só a aparência: a servidora não poderia ter atuado no processo em que a firma de seu marido era selecionada. Isto, a rigor, não significa que houve algum outro ilícito, como superfaturamento, mas deixa uma nódoa na papelada.
A SURPRESA
Tinha falado com o Secretário da Administração, Antônio Gavazzoni, apenas uma vez, numa ocasião social, sobre generalidades e esta foi a primeira vez que conversei com ele sobre um caso concreto, da sua pasta. Já falara com vários outros agentes políticos sobre situações semelhantes e estava acostumado a um certo padrão.
O comum é minimizar a denúncia, encontrar um caminho lateral e tentar conduzir-nos para longe do local do sinistro. Em alguns casos a “enrolation” quase chega à “embromation” e, em outros, a saída é enveredar por um beco sem saída de prazos e mais prazos para investigar, verificar, avaliar e ver se a gente esquece.
O Gavazzoni retornou meu telefonema no mesmo dia, poucas horas depois. Já estava informado do caso, tinha chamado a servidora e seus diretores e decidido o que faria. E tivemos uma conversa de gente grande, que entende a seriedade com que deve ser tratada qualquer denúncia no serviço público. Explicou-me as circunstâncias do fato, achou grave o fato da servidora ter atuado naquela carta-convite envolvendo a firma do marido, coisa vedada por lei. Aí me contou sobre as medidas que estava tomando, entre as quais a avaliação de todo o processo, para verificar se houve algum prejuízo.
Uma boa surpresa, não só por causa do que disse, mas principalmente pelo que não disse: em nenhum momento mencionou o fato de que a denúncia poderia ter algo a ver com a sua recente nomeação para a secretaria da Fazenda. Conheço políticos que não perderiam a oportunidade de levantar essa bolinha: “é sabotagem, estão querendo me prejudicar, bando de invejosos!”
Quanto ao caso e seus desdobramentos, mais importante do que qualquer eventual punição ou corretivo, é que os gestores saibam que estão na vitrine, sob telhado de vidro, sendo observados o tempo todo. E aí procurem honrar os mandatos, as delegações e, principalmente, seus próprios nomes.
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Há 6 horas
8 comentários:
Pela figura pública que é o Dr, Cavazzoni deveria IMPEDIR que ocorresse tal situação. O dinheiro público é dinheiro de ninguém, dai os aproveitadores do plantão estão sempre metendo a mão. Enquanto metem a mão no dinheiro público, pessoas que realmente necessitam deixam de ter a presença do Estado. Mas, com certeza, essas pessoas pagaram um dia e, de repente com a própria carne. CAVAZZONI não deixe essas coisas aconecerem sei que és um homem de princípios te conheço...
É por coisas assim que os órgãos de controle defendem o uso obrigatório do pregão (exceto para obras). No convite, vai quem a administração convida, e isso pode gerar direcionamento. Já no pregão, vai quem quiser, até o marido da servidora, mas a existência de lances atenua bastante a possibilidade de favorecimento. O pregão, sobretudo o eletrônico, não é a panacéia para os males da corrupção nas licitações, mas reduz muito os riscos.
Tio César,
Então pergunta pra ele sobre o edital de concorrência do projeto do centro administrativo.
Ele "peitou" todo o parecer técnico de engenheiros do DEINFRA, para manter um edital de um projeto que ocuparia um terreno que sequer é de propriedade do Estado.
Sei que vou ser mal interpretado mas perguntar não ofende: E O TREM??? COMO ANDA O TREM??? Qual a opinião do Dr. Gavazzoni sobre o lustroso veículo ferroviário? Agora tem uma diferença...vai caber a ele pagar a passagem dos viajantes!
Pelo que eu sei o o edital de concorrência do projeto do centro administrativo dá pano pra manga que não acaba mais. O Gavazzoni tinha que explicar aquilo antes de assumir o ninho de cobr...quer dizer, a Fazenda... rss...rss
Como é que é; vamos perguntar sobre o edital da construção do centro administrativo, ou não?
Ele calou a boca dos engenheiros do Deinfra numa boa!
Tinha gente recém concursada que "se borrou-se todo"; mudando seu parecer inicial depois de uma coversa ao pé de ouvido!
Leiam a ata, do edital desta atoa!
http://wanfil.blogueisso.com/2007/11/26/psdb-e-a-sina-de-pompeia-sula-a-mulher-de-cesar/
que feio, Cesar.....
É, né, deveria ter citado as fontes da pesquisa “histórica”. É uma história tão comum e tão citada que nem dei muita importância a isso. Mas não bebi num lugar só.
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