Nota do editor: antes de ser jornalista, fui cronista. E acho que continuo sendo. Comecei a brincar com as palavras antes de começar a brincar com as informações. Não esperem, portanto, encontrar aqui apenas a realidade crua, relatada com rigor e não se assustem se se depararem com a ficção cozida em seu próprio caldo. Como é o caso do texto abaixo, que não tem nada a ver com nada. Exceto com o fato de que escrevo por prazer.
PROPOSTA DE CASAMENTO POLIGÂMICO
Meus 25 anos de fidelidade à mesma mulher causam um certo espanto e muita incredulidade mesmo entre amigos mais chegados. Monogamia é uma convenção social que em certos círculos foi dada como extinta, desaparecida, transformada em objeto de estudo antropológico. Digna de merecer cuidadosas escavações, onde cada grão de poeira é retirado meticulosamente, com delicados pincéis.
Eu nunca fui um sujeito monogâmico. Tive a sorte de encontrar uma criatura que é, literalmente, todas as mulheres do mundo. E isto sempre me bastou. Duzentas ou trezentas mulheres em 25 anos é número suficiente. Foi isso que tive com esta única pessoa multifacetada. Morto de medo e inseguro como Tiradentes a caminho do barbeiro (consta que lhe apararam a barba antes de enforcar), ofereci, em troca, algumas dúzias de personagens. Não sei, contudo, até hoje, se cumpri adequadamente com os deveres. Porque elas são tantas e tão variadas, que não encontro a mesma por várias décadas e daí não tenho como perguntar “gostastes?”
Mas aí resolvi fazer um blog.
E ultimamente tenho sentido reacender, bem aqui, debaixo do plexo solar, exatamente onde o estômago toca, de leve, o coração e onde o diafragma, em dia de vento sul, arrisca alguns soluços, um impulso poligâmico.
Não tenho tempo. Vocês sabem, estou descolando milímetro por milímetro o meu tecido cerebral do teto de acrilit machetado (lembro-me, a cada milímetro, dos médicos que tentaram separar as moças siamesas que não eram do Sião). Por isso serei breve, direto, sucinto e até rude.
O que a Teruska tem-me dito ou sugerido merece, no mínimo, um flerte de mãos dadas em algum bistrô parisiense e com certeza três dias e noites de loucura em algum resort da costa baiana. O que a GiNiki me sugere (intencionalmente ou não) não tem outro significado que a partida imediata para Niterói, nem que seja apenas para ficar do outro lado da rua, suspirando à sua passagem. O que a Cé me disse em secreta correspondência exige corrida em câmera lenta numa praia do Caribe e lento mergulho em lencóis de seda chinesa. E tudo o que a Cris tem-me feito passar poderia fazer com que, alucinado, eu lhe escrevesse aquilo que outros disseram primeiro “senhora, eu vos amo tanto que até por seu marido sinto um certo quebranto”.
Só nesse parágrafo descompromissado já são quatro novas amásias, amantes, esposas, caracterizando cristalinamente a poligamia a que esse veículo tem-me obrigado. Ora, dirão os exegetas, “a coisa não se consumou”. Respondo, com a límpida claridade do macho saciado: “não conheces a força da imaginação...” Uma vez que o monógamo imaginou-se nos braços, ou apenas ao alcance dos olhos, quem sabe da voz, de outras, desfez-se a aura santificada e luziu o tremeluzente brilho purpúreo e rubro do pecado. Maravilha das maravilhas, o pecado foi inventado para dar ao trivial um sabor acridoce e raro.
Minhas lindas, minhas belas, minhas amigas, não se assustem com estas reflexões. Mesmo as não citadas são devidamente pensadas, sonhadas e desejadas. O polígamo virtual é um dependente químico-físico que precisa de ajuda. Braços, bocas, mãos, seios, tudo é importante para que a gente possa recompor o equilíbrio e voltar a ser a criatura cordata e monogâmica que nascemos para ser.
Todas as mulheres do mundo não é apenas o título de um filme. É, a partir de agora, meu lema. Vou começar pela minha rua, mas em dez ou doze anos chegarei ao Rio de Janeiro. E poderei, finalmente, saber o sabor real que tantas bocas à beira-mar plantadas têm. Assim, à distância, parecem ótimas. E dignas do rompimento do voto de monogamia que este asceta proferiu, em 1970, ainda eufórico com o tri, diante de uma imagem de São Nelson Rodrigues. Boa noite, sonhem comigo e até amanhã.
A dancinha do trumpismo
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Diferentemente de manifestações polêmicas do passado, como ajoelhar-se
durante o hino nacional, o gesto é visto como celebração patriótica.
Alexandre Bor...
Há 4 horas
2 comentários:
Bela crônica.
Uncle Ceaser
Torcem os claudicantes canalhas dum tal mundo da política (que nem mereceu ser uma das luas do Inferno de Dante) que migres de vez para arqueologia das coisas do coração. Desejam com sofreguidão que não aches nunca em tuas belas crônicas a Beatriz dos teus sonhos. E, que assim, permaneças procurando sei lá qual das nepéias de tua fonte e sempre procurando-a (Beatriz) nestas belas composições sem nunca acha-la e assim, condenado à falta de tempo para perturbá-los (politkos) e à camarilha de canalhas em que os mesmos bóiam. Paulão
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