quarta-feira, 25 de junho de 2008

APRENDENDO A LER JORNAIS

Em fevereiro de 2003 li, na revista Carta Capital, uma entrevista com o professor Roger Silverstone, que acabava de lançar no Brasil o livro Por que estudar a mídia? (Edições Loyola). Ele propunha a alfabetização em mídia, como forma de controlar o quarto poder: “A cidadania do século 21 (...) requer do indivíduo que saiba ler os produtos da mídia e que seja capaz de questionar suas estratégias”.

Permitam-me puxar algumas brasas para a minha modestíssima e raquítica sardinha (obtida sabe-se lá por que meios, já que estamos no período do defeso): em 1988 mantive uma igualmente raquítica coluninha, chamada Do Editor, no jornal O Estado, de Florianópolis. Como editor-chefe, abria todos os dias essa janelinha para que os leitores vissem um pouco das nossas entranhas.

E isto, esta conversa diária sobre o jornal que estávamos fazendo, Silverstone também recomenda: “A mídia é intensamente não-reflexiva sobre a sua própria prática. Mas ela deve ser encorajada a mudar.”

É verdade que os ditos populares afirmam que a gente nunca deve querer saber como são feitas as lingüiças, as guerras, as leis e os jornais. Mas eu achava – e agora vejo mais gente pensando assim – que era importante que os leitores soubessem exatamente o que fazíamos e por que estávamos ali.

Reproduzo a seguir uma dessas coluninhas, a de 10 de abril de 1988, que para os mais letrados e experientes pode parecer primária. Mas vocês não têm idéia de como o pessoal, mesmo o que lê jornal freqüentemente, tem dificuldade para entender certas coisas que parecem óbvias para os jornalistas.

Do Editor 10/4/1988
Opinião

Um jornal começa a adquirir maturidade profissional quando seus leitores percebem, claramente, o que é opnião – e de quem – e o que é informação. Os leitores mais desatentos chegam a pensar que todas as matérias têm opinião do jornal ou de quem as redige.

Vamos dar uma olhada no nosso caso, que fica mais simples e é mais próximo. Este nosso O Estado faz questão absoluta de separar opinião de informação. Há espaços perfeitamente identificados onde as opiniões são expostas. São as colunas assinadas. Ali há informação e opinião. Os artigos assinados, da página 4 e da página “Ponto de Vista”, servem justamente para que o leitor tenha acesso a uma gama variada de opiniões sobre os mais diversos assuntos. O próprio leitor tem espaço para dar suas opiniões.

Mas no noticiário o leitor não encontrará opinião. Pelo menos não deve encontrar. A cobertura que fazemos dos fatos, dos acontecimentos, pretende ser bem equidistante, muito desapaixonada. Fazemos questão de manter um distanciamento que permita ver os dois, três ou quantos lados existirem.

É claro que existe uma discussão, antiga, sobre a objetividade no jornalismo. São tantos fatores subjetivos incidindo sobre nosso trabalho que a tal objetividade virou piada. Ao escolher que notícias irão preencher o espaço disponível na página, o editor está formulando um juízo. Ao colocar esta notícia em cima, abrindo a página, está formulando outro juízo de valor. E assim por diante.

Mas nós acreditamos que seja possível encontrar um ponto de equilíbrio. Que seria satisfatoriamente executado quando todos os participantes de um fato socialmente relevante (de uma notícia, enfim), reconheçam, ao ler sua descrição no jornal do dia seguinte, aquele fato em que estiveram envolvidos. Ao informar, ao descrever, fazê-lo comprometido exclusivamente com o rigor da informação e com a clareza da descrição. Ao editar, procurar identificar entre as notícias a relevância social de cada uma.

Este jornal não escolhe os eventos que vai cobrir segundo critérios de amizade, influência dos envolvidos ou coincidência de posições com as da empresa que edita o jornal. Há critérios jornalísticos e há limitações físicas. E temos a pretensão de separar bem as coisas.

Então é isso: nas matérias, assinadas ou não, está o factual. São as notícias, as informações. Nas colunas assinadas, nos artigos, no editorial, na Informação Geral e nas colunas do Editor e do Leitor, estão opiniões e pontos de vista.

Nenhum comentário: