(Página de um velho diário, amarelecido e comido de traças, que encontrei colado com um durex ressecado, atrás do retrato de uma das minhas melhores amigas, guardado no fundo de uma caixa. Publico-a hoje porque, afinal, é dia dos namorados)
Quando eu cheguei estavas sentada, esperando. Não tens idéia do que pode significar, para um homem, aquelas pernas cruzadas. A saia nem era tão curta. E tu nem eras tão descuidada. Mas de onde eu estava e no estado em que me encontrava, aquelas pernas cruzadas dominavam o ambiente e mostravam aos infiéis o caminho do paraíso.
Assim que me vistes desmanchastes o monumento lascivo do imaginário masculino, te levantastes e imediatamente te transformastes, novamente, na senhora de todos os sentidos. A proximidade, os braços abertos, o sorriso e o inevitável abraço. Te apertei como se o mundo fosse terminar agora. A bomba atômica calcificaria o casal enlaçado. O calor das tuas coxas derreteria o detonador e transformaria aquele momento numa enorme bola de fogo. O teu abraço nunca deveria ter fim. O teu abraço é a maneira mais fácil de compreender o correto sentido da eternidade.
Mas te afastas, fazendo de conta que não percebes os danos que causastes, os destroços que jazem em meu peito, o pequeno monte de cinzas em que me transformastes. E me olhas, as mãos ainda segurando as minhas, eu estático, tendo impressa em minha pele a tua imagem, qual santo sudário da paixão, todos os teus relevos estão aqui, marcados a fogo, indeléveis, inesquecíveis.
Percebo que falas alguma coisa, não alcanço o sentido, mas registro o som da tua voz, pura música, minha alma dança enquanto falas não importa o que. Esqueço que somos apenas bons amigos e enlaço tua cintura novamente, puxo teu corpo, aperto o abraço e beijo teus lábios atônitos, a boca surpresa.
Os dois segundos que se seguem passam lentamente, como se fossem horas. Qualquer coisa pode acontecer. O tapa, a zanga, a raiva, o nunca mais. Tudo é possível. Até que percebo mãos caminhando nos meus ombros, dedos na nuca, e a tua boca, ah, a tua boca, respondendo, com habilidade, com aquele mesmo calor das pernas cruzadas, o meu beijo roubado. Olhos abertos, e aquelas coxas, encostadas às minhas, derretem as moedas de vintém que estavam no bolso da calça.
Somos, afinal, o que sempre achei que éramos. Bons amigos, no bom sentido.
7 comentários:
Aff....!!
Moedas derretendo no bolso da calça foi uma boa justificativa...
Vc escrevia bem melhor no passado, hein?
Acho que teu rumo deveria ter sido a literatura...
da samba, da um curta e até um comercial de 30's de alguma ONG, mostrando a inflação chegando e derretendo nossa grana no bolso. hehehehe...
Desculpa tio Cesar, estou sem namorada é isto!
Antônio Carlos
Uma raridade de narrativa!
Intensa, fluente, ousada e criativa.
Sensacional!
Amei de paixão! Ah...se alguém me escrevesse uma coisa dessas...(suspiro..)...Peraê, isso é uma bela duma lábia, nénão?? rsss rsss
'Uncle Ceasare'. Tirante a bela página literária e o riquíssimo nível de sugestão provocado pela narrativa... quem dera alguma musa mereça de minha pobre pena tamanha inspiração... que minha mulher não me ouça!!! Afinal.. já é dia da sogra (sexta 13)Saudações de um aluno anônimo, mas freqüente.
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