terça-feira, 24 de junho de 2008

UMA RELAÇÃO DELICADA

[Algumas anotações feitas num velho caderno de rascunho, que pretendo incluir, de alguma forma, na abertura do debate de amanhã.]

Do que vivem as empresas jornalísticas? De onde vem o dinheiro que paga o salário dos jornalistas? Por que se diz que algumas matérias são pagas? É possível pagar para que o veículo de comunicação publique exatamente o que a gente quer?

Estas são algumas dúvidas que nós, jornalistas, imaginamos que o leitor e a leitora tenha. É provável que o leigo nem chegue a pensar nisso. Mas é importante provocá-los.

Afinal, a qualidade da informação que eles recebem depende, em grande parte, de como essas perguntas são respondidas. Estão em jogo, portanto, aspectos fundamentais do direito constitucional à informação.

As empresas jornalísticas, algumas das quais preferem ser chamadas de empresas “de comunicação”, vivem da venda de espaços publicitários. Oferecem ao anunciante a possibilidade de que seu anúncio seja visto por um número x de pessoas.

O dinheiro que paga o salário dos jornalistas vem, em grande medida, da venda desses espaços. Em menor medida, da venda do próprio produto (dos exemplares dos jornais, das assinaturas de acesso, etc).

As empresas que se portam corretamente mantém um espesso muro impermeável, separando o departamento editorial (que produz os conteúdos que oferece ao leitor, ouvinte ou telespectador), do departamento comercial (encarregado de vender os espaços para os anunciantes).

Como nem todos se comportam eticamente e os espertalhões abundam, há também quem ofereça mais do que apenas espaço. Há quem abra mais do que as páginas para o anunciante: abra, literalmente, as pernas.

Já se perdeu, na memória dos tempos, o momento em que se deu a primeira transação desse tipo. E nem é possível afirmar que a iniciativa seja do veículo ou do anunciante. Às vezes é de um, outras vezes de outro.

Como é isso? A empresa Y vai construir um prédio, prepara um anúncio de página inteira sobre o empreendimento, mas acha que o jornal deve oferecer alguma coisa em troca desse anúncio. Quem sabe uma reportagem falando mal do concorrente? Ou uma notinha elogiando o vereador Fulano (grande amigo da empresa, fundamental na solução de algumas pendências)?

Ao aceitar esse tipo de negociação, o jornal (ou a revista, ou a rádio, ou a TV, ou o site), derruba aquele precioso muro impermeável e entra no mundo da corrupção.

Corrupção, sim. O dinheiro é privado, a empresa é privada, o jornal é privado, mas a fé pública dos veículos de comunicação é um bem que esse tipo de acordo corrói. Corrompe. Deturpa. Fazer o leitor de bobo é corrupção. Deterioração de uma relação que deveria se basear na confiança.

A coisa mais importante, no jornalismo, é sua independência. Quando se fala bem de alguma coisa ou de alguém, é porque tem algumas qualidades, quando se fala mal, é porque se encontrou algum malfeito. E tudo de graça.

No momento em que alguém aparece bem na foto porque pagou para isso, desmorona tudo aquilo que mais prezamos e se estabaca, no chão lodoso da velhacaria, a pobre ética, essa moça tão mal falada.

Os governos, em todos os níveis, são compostos por políticos que precisam de votos para manterem-se no posto. A boa imagem, para os políticos, é um patrimônio essencial. Não faltam, portanto, espertos de todos os tipos que se apresentam para explorar essa fragilidade. Dão a entender, com maior ou menor clareza, que seus veículos só serão “parceiros” se ocorrer alguma “contrapartida”.

Hum... isso não soa como extorsão? Pois é. É mesmo. E o pior é que muita gente cai. Como patinhos.

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