O Antunes Severo, no Caros Ouvintes (parada obrigatória no dial da internet pra quem gosta de rádio), informa que hoje é Dia do Radialista. E conta a história das idas e vindas, das leis e propostas que acabaram definindo o dia do nascimento de Ary Barroso como aquele em que se celebraria, por extensão, todos os radialistas.
Aproveito a deixa para engatar aqui umas lembranças (todas boas) que tenho dos radialistas. Sem televisão na infância e em boa parte da adolescência, o rádio era o meio de comunicação por excelência. E desde muito cedo. Meu pai tinha consultório a poucos passos da rádio Tubá, em Tubarão. A duas ou três casas da minha, morava o seu Bergler, que tinha um daqueles serviços de alto-falante móveis, montado num jipe e eu era amigo do Gilson e do Miguel, seus filhos e de vez em quando espiava aquela parafernália, de onde se destacava o principal instrumento de trabalho dos radialistas: o microfone.
Ainda em Tubarão e antes dos dez anos, era coroinha juramentado, sabendo de cor e salteado todas as respostas em latim, exímio chacoalhador de sinetas reluzentes, e encarregado de ligar o “sistema de som” antes das missas. Naquela época, a principal missa do domingo era transmitida pelo rádio. O locutor falava em voz baixa, informando a movimentação no altar: “e agora o coroinha transfere o livro com as sagradas escrituras, do lado direito do altar, para o lado esquerdo e o padre inicia...”
Mas um dos grandes momentos da minha vida toda foi quando ganhei um rádio “portátil” Phillips. Alimentado a seis pilhas grandes. Fiquei emocionado, porque não precisava mais ficar dependente do que meus pais estivessem ouvindo no velho (porém charmoso) Zenith com caixa de baquelite marrom escura. Podia ficar no meu quarto e, maravilha das maravilhas, zapear rodando o dial (pronunciava-se, com afetação, daial) em ondas médias e em ondas curtas.
Acompanhei por ali a movimentação dos 60 (gracias, Strix, pelo refresco na memória). As rádios da cadeia da Legalidade, lançada pelo Brizola, os programas humorísticos da Mayrink Veiga (quase todos herdados da rádio Nacional e que depois virariam programas de TV, como o Balança, Mas Não Cai). Comecei naquele radinho a sentir prazer em estar... conectado. E a desenvolver um gosto musical eclético. Afinal, ia das músicas clássicas de algumas transmissões em ondas curtas (e, naturalmente, do Dia de Finados, em que todas as rádios só tocavam clássicos), às escolhas musicais de todo tipo de radialista. Dependendo da hora, mesmo em ondas médias, se conseguia ouvir rádios de muitas outras cidades. E embora o termo zapear (mudar constantemente de canal, dando uma espiadinha em cada um) tenha sido criado a partir do controle remoto, era exatamente isso que eu fazia, com o rádio ao alcance da mão.
Depois de 64, nos mudamos para Florianópolis, cidade grande (pra quem vinha de Tubarão) com mais emissoras de rádio. E radio-novelas feitas localmente. Quando ia assistir desfiles de Carnaval, na Praça XV, com meus pais, achava muito engraçado aqueles sujeitos na marquise, com seus microfones, fazendo a transmissão da coisa. Também gostava de imitar a rapidez com que os locutores de futebol falavam. Era uma habilidade que encantava a molecada e à qual prestávamos atenção desde 1962, quando acompanhamos a Copa do Mundo, no Chile, pelo rádio. Na minha memória ficaram gravadas as descrições quase cinematográficas dos vôos de Gilmar, fazendo defesas espetaculares.
Na capital, o rádio se transformava. As novelas iam acabando, os programas de auditório eram deixados de lado. A televisão estava para chegar (já tinha dominado Porto Alegre e Curitiba). Mas os radialistas ainda tinham fôlego para mobilizar a audiência. Uma equipe afinada levou a Diário da Manhã a um dos grandes momentos do rádio pré-televisão. Vanguarda, programa de escassos 20 ou 30 minutos (sei que a gente sempre ficava querendo mais), comandado pelo galego Adolfo Zigelli, com a voz inconfundível do José Valério nos destaques e mais uma turma de repórteres e operadores de som (Zininho e Moacir Pereira entre eles), era ouvido, literamente, pela cidade inteira. Ao caminhar pelas calçadas na hora do Vanguarda dava pra ir ouvindo o programa, do rádio de uma casa, para o de outra.
[Para saber mais sobre o Vanguarda (e Ziguelli, e Diário da Manhã e UDN), clique aqui para ler, em pdf, um trabalho do Antunes Severo intitulado “Vanguarda: o que se faz, o que se diz, o que se pensa. Gente, notícia, opinião” (Esta era a abertura do programa, lida pelo José Valério)]
Mas havia mais do que o Vanguarda no rádio florianopolitano daquela época. Começava cedo, com o Dakir Polidoro na Hora do Despertador. Durante o dia, na Guarujá e na Diário da Manhã, os radialistas tentavam atrair a audiência que, imagino, devia ser predominantemente feminina. João Ari Dutra, por exemplo, comandava por algumas horas um programa de grande popularidade, que disputava ouvintes com enorme competitividade, como se já existisse Ibope e tal e qual as emissoras de TV fazem hoje.
Eu, particularmente, cumpria, em vários dias da semana, uma rotina: depois do Vanguarda, ouvia o programa do Walter Souza. Pela seleção musical, principalmente. E também porque ele oferecia discos para quem levasse, até á rádio, determinado problema de palavras cruzadas resolvido. Assim que ele dizia qual era o desafio do dia eu saía, passava na banca, comprava a revistinha de palavra cruzadas e pegava o ônibus (Canto, do Estreito para o Centro). Quando chegava no ponto final, naquele largo ao lado da Alfândega, em frente do Montepio, onde hoje tem uma feira-livre, já estava com o problema resolvido. Aí era só caminhar até o Comasa, subir até a rádio e ganhar o disco. Nem sempre era grande coisa, mas foi num dos discos grátis que ganhei do programa Walter Souza que conheci, vejam só, James Taylor (Fire and Rain). Portanto, não era tempo completamente perdido.
Chi, essa história está ficando muito comprida. Vou encerrar. Mas não posso deixar de dizer que tanta admiração sempre tive pelos radialistas que acabei tornando-me, em algumas ocasiões, também radialista. Enquanto morava em Porto Alegre, onde fiz o curso de Jornalismo, além de repórter da TV Gaúcha, fui redator, na rádio Gaúcha, de um dos principais noticiários. Na época, os noticiários importantes eram lidos com voz empostada e um ritmo quase frenético. O locutor engatava uma primeira e lia tudo praticamente sem respirar. O principal desafio, pro redator, era acertar a pontuação do texto, com o ritmo do locutor. Não fiquei lá muito tempo, mas foi o suficiente para ser irremediavelmente contaminado pelo rádio.
Nas férias de verão, quando voltava pra Florianópolis, fazia cobertura do vestibular para a rádio Guarujá. Numa delas, sem helicóptero, mas querendo dar informação sobre o trânsito na Trindade (ainda não existia a avenida beira-mar norte), arranjei uns walkie-talkies e coloquei, no alto do morro da cruz, o fotógrafo Rivaldo Souza, que estava com o pé quebrado e não podia andar muito. Ficaria lá, sentado numa pedra, informando, pelo radinho, a situação do trânsito. Eu estava na UFSC e tinha gente no estúdio, também. Triangulação perfeita. Exceto por um pequeno problema: o dia amanheceu nublado, um nevoeiro denso e baixo, daqueles que cobrem o morro da cruz. Mas funcionou mais tarde e nos outros dias.
E aí, sempre que podia, me metia em alguma história. Na Anita Garibaldi, apresentei programas semanais de músicas que raramente iam ao ar: era comum faltar luz na cidade domingo. Depois, cheguei a apresentar um jornal matutino, na Guarujá, ao lado do Osmar Teixeira. Naquela leitura tipo jogral, acho que o ouvinte devia estranhar muito o contraste, entre a voz potente e bem posicionada do Osmar e a minha, meio de taquara rachada. Também fiz, na Guarujá, outros programas, como um, diário, pouco antes da Voz do Brasil, com lançamentos musicais.
Aceitem, portanto, os radialistas de verdade, o abraço agradecido deste radialista amador e os parabéns.
Os anos 90 foram uma seca
-
Politicamente falando, os anos 90 foram uma grande chatice porque se deixou
de ler história. Esquecemos que se a democracia era a voz do povo, então o
po...
Há 10 horas
6 comentários:
Belo texto, quase uma novela radiofônica. Foi o suficiente para mexer com esse radialista sem prefixo. Parabéns.
Apenas uma pequena correção: a palavra dial existe em português há décadas. Assim, ao contrário dos coleguinas das mais agitadas FMs que pronunciam "daial", há anos eu já pronunciava "dial".
Eu gostava de ouvir a identificação:
ZYJ "trocentos" megahertz, em ondas curtas "outrocentos megaherta, emissoras brasileiras da Rádio Guarujá, Florianópolis, Brasil!
triste era ouvir:
Estamos desligando nossos transmissores encerrando mais uma jornada de trabalho...
mas aí eu mandava ver no meu rádio transistorizado, captava e registrava todas e quantas rádios possíveis, tudo numa folha de papel almaço. Cheguei a ter umas 140.
Os programas das rádios internacionais, com seus chiados característicos, indo e vindo, transmitindo em várias linguas.
Nossa, lacrimejei...
Valente,
Quero agradecer a citação do meu amado pai e as palavras generosas.
Obrigada pelo reconhecimento deste pioneiro e comprometido profissional que incansavelmente mantém o Caros Ouvintes, uma lindo e grato irmão que nós familiares ganhamos!
Abraço,
Giane Severo
Caramba! E eu pensando que todos os primcipais historiadores do rádio e da televisão dos três estados do Sul já haviam escrito para o Caros Ouvintes. Que grata surpresa camarada César Valente! Mas, como você, continuo com o mesmo ímpeto daqueles distantes anos de 1980 quando juntos desenvolvemos e apresentamos um projeto de telejornalismo a pedido do Dilor Freitas da então Rede Eldorado de Televisão. O projeto não chegou a ir ao ar. Entretanto, os frutos ficaram porque se já na quela época eu admirava o teu trabalho, dalí pra frente passaste a ser a minha balisa de referência profissional. E continua hoje. E vai ser pra sempre. Te amo.
PS - Enquanto é tempo: estou dando control C, control V e daqui há pouquinho a matéria estará no ar também no Caros Ouvintes, porque você continua demais! Antunes Severo
Cesar.
Para nós que vivemos a era pré televisão, o rádio teve grande influência.
Nossas memórias são parecidas.
Também ouvíamos o Walter Souza e corríamos para a emissora (já na Praça XV) para ganhar discos nas gincanas que ele promovia.
Meu irmão participou certa vez, de um programa de prêmios denominado "Mil laranjinhas é o limite", na rádio Guarujá, no qual a cada domingo eram efetuadas por telefone, três perguntas ao participante e, se acertasse, passava para a fase seguinte, acumulando prêmios em garrafas do refrigerante Laranjinha Max Wilhelm, até o limite de mil garrafinhas. Ficávamos nos bastidores pesquisando na Barsa ou Delta para auxiliá-lo nas respostas e, ao final, respondendo o nome completo da Princesa Isabel (Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon), ganhou as mil garrafas de laranjinha.
Aos domingos pela manhã, no rádio da eletrola ficávamos ligados no hit paradepara saber se as músicas que curtíamos haviam subido na parada.
À noite, nas ondas curtas ouvíamos rádios de São Paulo.
Nas tardes em que íamos na casa de nossas tias as víamos ligadas nas rádionovelas.
O rádio exerce o fascínio do uso da liberdade de imaginação, que na televisão é eliminado pela obviedade das imagens.
Antunes Severo foi nosso vizinho e cresci brincando com os filhos dele.
Lá na década de 70, em palestra que ministrou em curso que eu participava, o Seu Antunes disse que no futuro as pessoas leriam os jornais na televisão, escolhendo os assuntos que tivessem interesse e que só imprimiriam as matérias que considerassem necessárias.
Poderia haver vaticínio maior? O que estou fazendo neste momento?
Parabéns radialistas.
A "Cadeia da Legalidade" do Brizola foi "ao ar" em 1961, logo após a renúncia do Jânio.
Não queríam que o Jango, vice-presidente, assumisse.
Em 64, o buraco foi mais acima.
Derrubaram o Jango e, aí, então,........
Strix.
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