quarta-feira, 26 de março de 2008

PRA NÃO DIZEREM QUE NÃO FALEI NA FARRA

Este ano consegui cumprir uma das promessas que fiz para meus próprios botões: não falar na farra do boi durante a quaresma. Nos anos anteriores eu já havia começado a me afastar desse assunto. Principalmente por causa da campanha cega e cheia de ódio movida por quem não conhece o problema e não tem lá muito interesse em ajudar. Só em embolar o meio campo.

Mas é um problema sério demais pra gente passar ao longe, como se não tivesse nada com isso. Terminada a quaresma, republico um texto de 24 de março de 2006, onde acho que deixo razoavelmente clara a minha visão sobre os vários aspectos da questão.

A FARRA, ESSA PRAGA
Parei de falar na Farra do Boi porque nesta época em que ela ocorre ninguém parece muito interessado em conversar sobre o assunto. Só tem, de um lado, gente histérica que quer porque quer matar-nos a todos que vivemos em Santa Catarina, sem levar em conta se somos contra ou a favor. E do outro lado, gente histérica e sangüinária que só comprova, com suas maldades, que os farristas são mesmo uns animais.

Os poucos que ainda mantém uma certa lucidez são tão poucos que quase nada podem fazer. A não ser esperar que passe a histeria, para então poder conversar sobre a melhor maneira de fazer a civilização avançar.

PEDIDO DE AJUDA
Mas tive que sair do meu silêncio porque recebi uma convocação pública. A jornalista Cora Rónai, editora do Caderno de Informática e colunista de O Globo, minha amiga e dona de um dos blogs mais visitados e respeitados do País (o InternETC), publicou ontem (25/3/2006) uma carta da Vice-Presidente Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Ana Maria Pinheiro, sobre um boizinho que estaria sendo preparado para a Farra no Santinho (na Ilha de Santa Catarina) e ao final deixou o seguinte recado:
“Cesar Valente, meu querido amigo manezinho, como se pode despertar o governador da sua (dele) letargia?! O que podemos fazer para evitar esta boçalidade medieval, este desvio de caráter, esta patologia inexplicável?!”
OSSO DURO DE ROER
Como diria o açougueiro, vamos por partes. A história de acordar o governador: posso, no máximo (e tenho feito isso de vez em quando), dar umas sacudidas por aqui. Não tenho acesso ao governo e faço questão de manter uma certa distância. Além do que, como nunca conversei com ele sobre este assunto, não sei exatamente o que ele pensa a respeito.

A questão da letargia. Enquanto os defensores dos animais acham que o governo se omite ou está paralisado durante a “estação” de Farras, eu acho que o governo se omite no resto do ano. Não acredito que nenhum problema social possa ter uma solução duradoura a partir do uso da força policial.

Até para que os policiais saibam o que fazer e como fazer quando tiverem que “invadir” uma comunidade, é preciso que durante o ano o assunto seja adequadamente discutido e sejam implementados programas de conscientização sobre a violência.

PATOLOGIA INEXPLICÁVEL

A Cora, que é famosa também por gostar e defender animais, é ainda mais conhecida por ser uma mulher inteligente e de bom senso.

Há de perceber que hábitos e tradições não são modificados a golpes de porrete. Ao contrário, em muitas localidades onde a Farra estava quase se extinguindo porque a gurizada estava preocupada com outras coisas e os mais velhos não tinham mais ânimo pra brincar, a coisa ressurgiu com redobrada violência, porque passou a ser proibida. E ficam torcendo para que a polícia (e/ou a TV) apareça: a transgressão fica completa.

Os bandidos, os doentes da cabeça (detentores da tal patologia inexplicável), que gostam de maltratar os bois (e os demais animais), deram à Farra a fama e as imagens que tornam sua defesa impossível. Estes talvez até possam ser tratados a cassetete e sob os rigores da lei.
Mas não toda a comunidade litorânea de origem açoriana.

BOÇALIDADE MEDIEVAL
Esse povo, formado na sua maioria por gente hospitaleira, generosa, simples e solidária (sim, solidária) deve ser tratado com o respeito que todos merecemos e queremos para nós mesmos. Afinal, estamos pedindo a um velho pescador, que durante 60 anos ou mais, sempre participou da brincadeira (sim, brincadeira), que deixe de achar que aquilo é normal, bom e divertido. E mais, queremos que ele diga a seus netos que eles não devem brincar.

Convencer esse pessoal que o que eles fizeram a vida toda é considerado uma “boçalidade medieval” é tarefa educativa. Difícil e delicada como foi fazê-los acreditar que o médico talvez resolvesse melhor os problemas de saúde que as benzedeiras.

Em todo o mundo há práticas atrasadas ou tradicionais que precisam ser modificadas para que a civilização avance. Não digo que se deva manter essas práticas simplesmente porque são tradicionais. Só digo que, porque são tradicionais, é mais difícil fazer com que sejam modificadas.

Essa tarefa exige mais inteligência, mais esforço, mais amor e mais dedicação do que para modificar outras práticas. E só cassetete, spray de pimenta ou alguns meses ou anos numa cadeia superlotada não são as ferramentas apropriadas para fazer a civilização avançar.

SEM BRINCADEIRA
Como tudo, em todas as áreas (basta ver o futebol e o que ocorre entre as torcidas), a Farra não pode mais ser chamada de brincadeira.

Por causa da repressão, não se consegue mais aqueles animais fortes, vistosos e valentes que pudessem dar um corridão na manezada. Acabam sobrando uns boizinhos franzinos, que cabem numa kombi (o cara do caminhão de gado cobra muito caro por causa do risco). E assim a coisa vai sendo cada vez mais deturpada e fica cada vez mais repulsiva.

Quem lê esta coluna com alguma freqüência deve lembrar que, há pouco tempo, fui vítima da corrente do ódio, aquela enxurrada de e-mails peçonhentos onde não faltou sequer ameaça de morte e anúncio da ação de “terroristas ecológicos”.

Essa gente, a meu ver, é tão nociva e perigosa quanto os idiotas que maltratam os animais. O ódio os nivela e iguala. Não tem como amar um animal e odiar todos os seres humanos. Por mais que existam seres humanos desprezíveis.

Portanto, cara Cora, para quem não faz parte da corrente do ódio e está sinceramente preocupado com a correção desse desvio, o jeito é arregaçar as mangas e trabalhar sério. Como tanta gente já vem fazendo. Na porrada não iremos a lugar nenhum.

5 comentários:

Anônimo disse...

Arrasaste César !
Que aula !
Foi a mais sensata materia que li até hoje sobre o assunto.
Parabéns

Anônimo disse...

Como é bom encontrar seres racionais que ainda raciocinam.

Anônimo disse...

Dás um banho!
Já tem até espanhol contra a farra...

Aline Cabral Vaz disse...

Oi Cesar! Quanto tempo.
Falou de bicho, me fisgou.
Eu acho que já tinha lido esse texto ano passado, mas foi bom reler. Eu sou declaradamente contra a farra, mas como churrasco de vez em quando, por isso acho que bom senso é fundamental nessa questão, com em todas as polêmicas. Faço coro aos parabéns. Beijo!

Anônimo disse...

A FARRA DO BOI É UMA TRADIÇÃO E NÃO MACHUCANDO O ANIMAL DEVERIA PODER REALIZÁ-LA.

SE HÁ PROIBIÇÃO, QUE EXISTA PARA OS RODEIOS (CTG's)!!!

AÍ, NÃO NÉ, TEM GENTE GRANDE, IMPORTANTE ENVOLVIDA EM RODEIO!