
Daqui a pouco o relógio marca o final do expediente, momento mágico em que provavelmente acordarei, recolherei meus cacos espalhados nas gavetas e misturados à poeira dos arquivos e embarcarei em mais uma fantástica aventura de final de semana.
Por dois dias inteiros terei que conviver comigo mesmo e minhas circunstâncias, sem precisar seguir a rotina dos dias de trabalho. Espero não repetir o último final de semana, em que fiquei, da sexta à noite à manhã de segunda sentado na poltrona onde me derramei ao chegar. Sem me mover, sem sentir fome ou sede. Sem mudar a roupa, sem tomar banho, sem ligar pra ninguém, sem atender o telefone, sem ouvir música, sem ligar a tevê, sem chegar perto do computador e sem fechar os olhos.
Mas quem sabe essa seja a suprema sabedoria. Chegar segunda-feira à repartição, sentar-se à escrivaninha e ficar, imóvel, esperando a sexta-feira. Depois chegar em casa e ficar sentado, imóvel, esperando a segunda-feira. Sem ler jornais, sem folhear livros, sem espiar fotografias, sem assistir filmes, sem saber da vida alheia, sem sonhar. Sem se preocupar.
Sem ir. Nem vir. Só esperando o tempo passar. Ouvindo o tique taque dos velhos relógios que todos conduzimos entre o duodeno e o tresontonte, ao lado do baço. Calando e consentindo para que ninguém pense em nos tirar desse estado de graça. Os curiós que vivem no estômago esquerdo e que se alimentam das alfaces verdinhas do estômago direito, cantam suas canções mais melancólicas, porque não sabem de nada.
E eu, agora a caminho de casa, quase sete e meia da noite, quase lembro de como as sextas-feiras eram. Quase esqueço. Quase passo no Mercado. Quase tomo um chopp. Quase como um pastel de camarão. Quase encontro os amigos. Quase. Mas me recupero a tempo. E sigo inócuo, inerme, indolor, incólume. Boa noite.
Um comentário:
Lindo, muito lindo! (Referi-me ao texto...rss)
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