sexta-feira, 5 de setembro de 2008

LOTUMERÂNCIAS SEXTAFERINAS

Ah, as sextas-feiras... nas minhas costas bate um sol forte, mas não tenho disposição para levantar-me e fechar a persiana. Meus pés estão gelados, mas não tenho coragem de ir até o ar condicionado para regular a temperatura. O telefone toca desesperadamente, mas não tenho ânimo de atendê-lo. Vai que é alguém pedindo alguma coisa que me obrigue a sair da posição em que me encontro ou, pior, que precise trabalhar.

Fico quieto, com as costas quentes, os pés frios, a cabeça dando voltas em algum campo nevado, as mãos tamborilando, com o lápis, baladas românticas e a alma longe, bem longe disso tudo. Nem sei onde, porque nessas horas ela não me escreve, não me telefona, nem manda emeio.

Daqui a pouco o relógio marca o final do expediente, momento mágico em que provavelmente acordarei, recolherei meus cacos espalhados nas gavetas e misturados à poeira dos arquivos e embarcarei em mais uma fantástica aventura de final de semana.

Por dois dias inteiros terei que conviver comigo mesmo e minhas circunstâncias, sem precisar seguir a rotina dos dias de trabalho. Espero não repetir o último final de semana, em que fiquei, da sexta à noite à manhã de segunda sentado na poltrona onde me derramei ao chegar. Sem me mover, sem sentir fome ou sede. Sem mudar a roupa, sem tomar banho, sem ligar pra ninguém, sem atender o telefone, sem ouvir música, sem ligar a tevê, sem chegar perto do computador e sem fechar os olhos.

Mas quem sabe essa seja a suprema sabedoria. Chegar segunda-feira à repartição, sentar-se à escrivaninha e ficar, imóvel, esperando a sexta-feira. Depois chegar em casa e ficar sentado, imóvel, esperando a segunda-feira. Sem ler jornais, sem folhear livros, sem espiar fotografias, sem assistir filmes, sem saber da vida alheia, sem sonhar. Sem se preocupar.

Sem ir. Nem vir. Só esperando o tempo passar. Ouvindo o tique taque dos velhos relógios que todos conduzimos entre o duodeno e o tresontonte, ao lado do baço. Calando e consentindo para que ninguém pense em nos tirar desse estado de graça. Os curiós que vivem no estômago esquerdo e que se alimentam das alfaces verdinhas do estômago direito, cantam suas canções mais melancólicas, porque não sabem de nada.

E eu, agora a caminho de casa, quase sete e meia da noite, quase lembro de como as sextas-feiras eram. Quase esqueço. Quase passo no Mercado. Quase tomo um chopp. Quase como um pastel de camarão. Quase encontro os amigos. Quase. Mas me recupero a tempo. E sigo inócuo, inerme, indolor, incólume. Boa noite.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo, muito lindo! (Referi-me ao texto...rss)