terça-feira, 8 de julho de 2008

A FORMAÇÃO DOS JORNALISTAS

A discussão sobre a regulamentação da profissão de jornalista é constante. Parece que nunca houve consenso sobre isso. Lembro que em 1979, quando participava do grupo que montava o projeto do Curso de Jornalismo da UFSC (liderado pelo Moacir Pereira e na companhia do Paulo Brito e dos professores Celestino Sachet e Aurora Goulart), pensava e dizia que a gente tinha que fazer um curso que fosse útil e necessário mesmo depois da abolição da exigência do diploma.

Portanto, há 30 anos já se falava, como se fala agora, que o diploma, para os jornalistas, é exigência descabida, que estabelecer algum tipo de regulamento para que se exerça a profissão, é bobagem. Ouço a frase “não é o diploma que faz o jornalista” desde que comecei a dizer, na redação de O Estado, em 1972, que pretendia fazer o curso de Jornalismo.

Lembro de uma conversa que tive com o editor, Sérgio da Costa Ramos, sobre isso. Tinha contado que ia fazer vestibular de jornalismo na PUC, em Porto Alegre. E ele comentou que era tempo perdido. Se eu continuasse a trabalhar no jornal, dali a quatro anos estaria melhor do que estaria ao voltar com o diploma. Na época os jornalistas, em boa parte, tinham cursado Direito.

Anos mais tarde, era o editor encarregado dos suplementos especiais (chamados lá de Relatórios) da Gazeta Mercantil e fui chamado pelo Diretor de Redação, Mário Almeida, para levar à prática um programa de trainees para o jornal. A partir da idéia dele, instalei o programa e o coordenei por três anos. Era basicamente um processo de seleção que oferecia, para os 30 melhor colocados, a oportunidade de freqüentar um curso de um mês, na sede da Gazeta, em São Paulo. Ao final do curso, devidamente avaliados e classificados, recebiam um certificado e eram chamados à medida em que se abriam vagas no jornal.

O Diretor, assim como toda a cúpula editorial do jornal, tinham enormes restrições aos jornalistas formados. O próprio Mário era um engenheiro químico, formado pela Politécnica. E dizia que eu não deveria privilegiar, na seleção, os alunos de jornalismo. Falava às vezes brincando, às vezes a sério, porque sabia que eu tinha sido professor de Jornalismo (aliás, um dos motivos pelos quais fui escolhido para tocar o projeto).

As inscrições eram feitas no segundo semestre, em agosto ou setembro, e o curso era em janeiro. Tivemos de mil a quase três mil inscritos por ano. Em sua maioria, naturalmente, recém-formados de cursos de Jornalismo. E ao me envolver nas várias etapas da seleção (cujo passo inicial era um texto de 15 linhas que, surpreendentemente, eliminava centenas, por não conseguirem se expressar sem erros mesmo em tão poucas frases), comecei a perceber como é deficiente a formação que os jornalistas recebem na maioria das escolas.

Acabei, se não concordando, pelo menos entendendo melhor aquelas restrições que os colegas faziam aos jornalistas formados. Tem gente muito, muito, muito ruim com diploma de jornalista.

A reserva de mercado cria uma excrescência: o sujeito acha que lhe basta o diploma para exercer a profissão. E as escolas acham que não importa muito o nível do ensino, desde que ao final forneçam um diploma. E não é bem assim. Mas no jornalismo não existe um órgão que se preocupe com o exercício profissional. Uma OAB, um Crea, um CRM. Nem as más escolas nem os maus profissionais correm qualquer risco.

E o jornalismo, como tantas outras profissões, exige, além da formação acadêmica, boa cultura geral e aquilo que própria ou impropriamente se chama de “vocação”. Tive, entre os trainees da Gazeta, gente formada em Engenharia, em Economia, em Letras e mesmo em Jornalismo, que se destacou. No momento em que não se leva em conta o diploma, mas apenas se avalia o que a pessoa sabe fazer, pode fazer e seu potencial para determinada atividade, vê-se que nem todos os formados em jornalismo estão bem preparados.

Havia, nos formados de outros cursos que se destacaram, um componente fundamental: a vontade de ser jornalista. Isso fez com que eles, além do que aprenderam na escola, aprimorassem a escrita, lessem muito e se interessassem sobre as técnicas do jornalismo. Como queriam entrar numa área que não lhes era “reservada”, se esforçaram bastante. Esse esforço e a centelha que leva a isso faziam falta naqueles que tinham o diploma que lhes “garantia o mercado”. A maioria parecia acomodada, conformada ou apenas confiante que não precisava nada mais do que a escola (mal e mal) lhes deu.

Por outro lado, no dia-a-dia de uma redação se a gente, como editor, recebe na equipe um colega que não passou por uma escola, ou que teve uma formação deficiente, sofre bastante. As redações não são mais como aquelas confrarias de antigamente, onde havia tempo até para orientar, ensinar e aconselhar os mais jovens. As equipes hoje são enxutas, o trabalho é muito e o normal é que o profissional permaneça muito tempo sabendo apenas aquilo que já sabia quando chegou. No máximo adquire alguns cacoetes novos, automatiza seus procedimentos e, se era medíocre, mantém-se medíocre.

Não é à toa que em países onde o diploma específico não é obrigatório para o exercício profisssional, existam excelentes escolas de jornalismo e os bons alunos sempre encontram boas colocações. As melhores empresas, que valorizam a qualidade, sempre vão preferir alguém que saiba o bê-a-bá. Custa muito caro, em tempo e dinheiro, formar internamente um profissional.

Nos programas de trainee, como esse da Gazeta que eu coordenei, ainda que o diploma de jornalista não seja decisivo, a formação superior e o conhecimento das ferramentas básicas são fundamentais. E quando falo em ferramenta básica é claro que não estou me referindo ao uso do computador, ao conhecimento de softwares ou de normas de redação. Falo de entender a conjuntura, de saber contar uma história, de reconhecer uma notícia, de estar antenado, de cultura geral (política, história, literatura, economia, geografia, matemática, química, física, etc).

Pra terminar essa conversa mole cheia de letrinhas: a desregulamentação pura e simples da profissão de jornalista não beneficia o leitor, o espectador, o consumidor de informação jornalística. Não há, na proposta, qualquer preocupação com a qualidade da profissão ou do profissional. Claro que a má qualidade das escolas é usada como argumento, mas no Direito também há um número absurdamente grande de escolas abaixo da média. A qualidade do ensino profissional é outra questão.

O que se pretende é liberar os empregadores das amarras e desorganizar uma corporação profissional que nem é assim tão unida e aguerrida. Claro que algumas conquistas dos jornalistas incomodam profundamente as empresas: o limite de cinco horas diárias, por exemplo. A insistência em que as empresas de rádio e TV tenham jornalistas (não sei por que, eles preferem ter apenas funcionários ligados ao sindicato dos radialistas). E uma independência, às vezes incômoda, que um profissional de nível superior e cioso do seu ofício gosta de ter.

Como numa fábrica de tamancos do século retrasado, o mau patrão gosta de ter, sobre todos os seus funcionários, controle integral. Isso de que não se briga com o fato, que se é notícia deve ser publicada, não cola. O sonho desses mercenários que mantém veículos de comunicação (com todas as honrosas exceções de praxe) é chegar ao nível de descomplicação da extinta revista Metrópole e outras tantas, ainda em circulação. Pagou, entrou. E só se publica o que a pessoa quer que publique, pagando ou não. Não tem rolo, não tem discussão. E o faturamento tá garantido.

É isso. Desculpem o tamanho do texto, mas o tema é vasto. E a cada frase surgem novas possibilidades de debate, abrem-se novas frentes de discussão. É claro que a história não termina aqui. Nem acaba se o STF entender que jornalista não precisa de curso superior.

7 comentários:

Anônimo disse...

Caro César Valente!Talvez seja culpa minha, mas pela primeira vez tenho a oportunidade de ler uma matéria assinada por ti, com clareza, com conteúdo, com conhecimento de causa. Acrdito agora que a opção por crítica seja algo que remonta o período de escola, universidade,que tem muito de anarquia.Parabéns! Os leitores agradecem!

Artur de Bem disse...

César, sou tão contra o que disseste que nem vou conseguir responder na ordem. Vou respondendo os itens separados com o que me vem à mente.

Pixinguinha não tem curso de música. Em teoria não poderia dar palestras, nem cursos de música. No entanto é o maior chorão e um dos maiores músicos do país.
Na época não existia curso de música.

Existe muita gente boa no jornalismo que não é jornalista. Beleza. Mas desde que foi criada uma faculdade de jornalismo, tem que ser usado o pessoal formado. Então de que adianta fazer a faculdade de jornalismo??

Então o sujeito acorda um dia e resolve ser médico. Limpa bem a sua casa, desinfeta, e monta seu consultório. Não é bem assim.

O fato de muitos cursos não formarem uma gente boa não é desculpa pra não obrigar as pessoas a terem o diploma. É apenas mais uma discussão dentre várias na categoria. Colocar tudo num balaio e querer discutir o balaio inteiro é estratégia furada para, realmente, não acabar a discussão nunca. Dessa forma não chegaremos a lugar nenhum, nunca. Vamos por partes. Resolveremos isso. Depois resolveremos a qualidade de ensino nas faculdades. Depois um provável teste para ganhar a carteira, como faz a OAB. Depois resolveremos outros problemas. Cada coisa em seu tempo.

Sou estudante de jornalismo e completamente a favor de obrigarem o diploma. Não quero demitir os que estão trabalhando na área há mais de 10 anos, por exemplo. Longe de mim. Mas temos que usar os formados em jornalismo. Dar valor ao que temos. Se são bons ou ruins, a seleção natural resolve.


Vamos acabar com a regulamentação do jornalista. Aboliremos o curso de jornalista.
Vamos acabar com a regulamentação de professor. Aboliremos os cursos de pedagogia e magistério.
Vamos acabar com a regulamentação das profissões e abolir as faculdades!

Ah... comparar qualquer coisa no Brasil com qualquer coisa fora do Brasil é perigoso. Temos nossas culturas, nossas formas de viver, de ver a vida, nossas formas de trabalhar, nossa história de criação da nação, etc., que é diferente de qualquer lugar do mundo. Assim como qualquer outro lugar do mundo é diferente do nosso, então, por favor, não vamos comparar as coisas brasileiras com as coisas de outro país. E vice-versa.

Acho que é isso.

Abraços.

Cesar Valente disse...

Artur, um dos principais requisitos do jornalista é entender corretamente o que lê, compreender o que está dito. Mesmo que o autor não seja um prodígio de clareza (como parece que é o meu caso). Fica complicado começar escrevendo que "sou tão contra o que disseste que nem vou conseguir responder na ordem" e depois argumentar praticamente no mesmo sentido das coisas que eu falei. Eu sou a favor do diploma e tu és contra porque também és a favor do diploma?

Anônimo disse...

Tio César,
Para além do debate, não só é necessário o curso superior em jornalismo mas também o jornalismo especializado, segmentado, por exemplo, para falar de economia o profissional deve ter formacão nas duas áreas.
Ou a matriz curricular deveria abranger um mínimo de nocões de Direito (o número de informacões desencontradas e erros de grafia nessas reportagens é enorme), economia,administracão pública e funcões dos Poderes e Órgãos.

Anônimo disse...

Pobres leitores do acadêmico Artur, se quando se formar, for para uma redação e escrever com essa clareza. Por isso que o debate sobre a obrigatoriedade do diploma pe interessante.

Artur de Bem disse...

Por isso que eu ainda sou acadêmico.

Anônimo disse...

Minha questão é outra.
Acho que existem muitas pessoas qualificadas, de potencial, porém, formadas em faculdades sem nome forte no mercado e que acabam sem emprego por preconceito da maioria das empresas que preferem admitir um funcionário médio, só porque este fez uma Cásper Líbero, por exemplo.

Fiz 3 semestres da faculdade de Design porque basicamente já teria emprego garantido, mas não aguentei e minha vontade em fazer jornalismo falou mais alto. Porém, vivo tal dilema, afinal, as atuais condições financeiras não me permitem mudar para Sp, pagar uma faculdade e me sustentar sozinha.
Na cidade onde moro, existem uma faculdade de jornalismo, e em cidades vizinha também, mas eu ainda me pergunto: "Melhor cursar por aqui mesmo ou esperar até as condições melhorarem e me render a uma entidade de nome forte??"