Wagner Gonçalves, o autor, é subprocurador-geral da República e coordenador da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão e Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público Federal.
Um Sistema em Falência
Por Wagner Gonçalves“Nos Estados Unidos, há um grande respeito pelas decisões dos juízes de primeira instância. Aqui, ao contrário, alteram-se, continuamente, suas decisões, que às vezes chegam a ser execradas em público.
Lá, a execução da pena começa com a sentença. Proferida esta, o réu já está condenado e é preso. No Brasil não. Só se pode executar a pena depois do “trânsito em julgado”, que pressupõe o julgamento final do recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal.
Não havendo prisão cautelar (temporária ou preventiva), saindo a sentença, com o réu solto, apela-se. Vai-se para um tribunal (estadual ou federal). O julgamento leva alguns meses, às vezes anos. Os tribunais estão abarrotados de processos e são muitos os incidentes levantados pelos bons advogados.
Confirmada a sentença, numa ousadia, já que atendido o duplo grau de jurisdição, expede o tribunal o mandado de prisão. Antes de ele ser cumprido, é deferido, pelo Superior Tribunal de Justiça, um habeas corpus, porque “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” – art. 5º, inc. LVII, da CF. Se o STJ não deferir o habeas, o Supremo Tribunal Federal o fará, porque esta é a jurisprudência que está se firmando naquela Augusta Casa, nos últimos anos.
Ao mesmo tempo, após a decisão na apelação, são interpostos os recursos especial e extraordinário, porque os bons advogados sabem que não se pode nunca, em hipótese alguma, deixar a sentença transitar em julgado. Chegando ao STJ, o recurso especial do réu – ele ainda é considerado inocente, apesar de já condenado em duas instâncias – o julgamento demora e demora muito, pois são milhares de processos.
O do Edmundo, jogador de futebol, condenado por matar duas moças em um acidente de carro, encontra-se no STJ há mais de 7 anos. Nunca foi preso. Depois de julgado o recurso especial – leva-se anos, seja pelo acúmulo de trabalho, seja pelos constantes incidentes causados pela defesa – os autos sobem ao Supremo Tribunal Federal. E aí começa outra batalha.
São milhares de recursos extraordinários e também milhares de habeas corpus. O Supremo Tribunal Federal está-se transformando em Supremo Tribunal Penal. Ou o relator tranca o recurso por incabível ou por não atender aos pressupostos (e aí cabe recursos...) ou, admitindo-o, há que se aguardar.
Ao mesmo tempo em que todos esses trâmites estão ocorrendo, os bons advogados questionam tudo, desde o início, por meio do habeas corpus, contra “o qual não pode haver qualquer restrição”.
Alegam: inépcia da denúncia; falta de justa causa para a ação penal; nulidades de tudo e por tudo; falta de fundamentação da prisão temporária ou preventiva – não há dados concretos; falta de fundamentação da sentença, do acórdão, só há “considerações genéricas...”
E cada habeas se desdobra em “dois”: um, para apreciar a liminar e o “outro” retorna, após, para apreciar o mérito. Mérito esse que, muitas vezes, é próprio dos recursos especial e/ou do extraordinário, que ainda estão tramitando. Quando calha, ao fim e ao cabo, de a sentença transitar em julgado, ainda há a possibilidade de um novo habeas corpus para dar efeito suspensivo à última decisão, até que se aprecie este último habeas.
Enquanto isso, a prescrição está correndo e a impunidade é certa. Daí o fato de os juízes, procuradores e promotores de primeira instância serem como exército de brancaleone. Não porque sejam “perseguidores implacáveis”, “violadores de direitos humanos” (dos poderosos?), mas porque, devido à juventude, ainda não sabem que o sistema penal brasileiro está falido. E só não o está para os pobres, que não podem pagar bons advogados.”
5 comentários:
Olá!
Acompanho se trabalho há muito tempo!
Linkado ao site do Paulo Alceu, leio mt o q vc posta!
um abraço.. continue assim
Este é o "resumo da ópera"! Só não vê quem não quer. Por isso que todos vibramos com a prisão, mesmo que por algumas horas, destes figurões, pois, ao fim e ao cabo, é a única pena que pagarão. Logo vem o STF, que está aí pra isso mesmo (para os figurões), e acaba com a nossa alegria. Enquanto isso nossas delegacias, presídios e penitenciárias estão abarrotadas de pessoas que, ou já cumpriram suas penas ou nem deveriam ter sido presas se aplicados os mesmos critérios do STF para os figurões.
Brilhante artigo. Muito bacana tua disposição de republicar aqui. Ainda bem que existe este seu blog, pois estou farto deste "Chapa-branquismo" que insiste em se fazer presente nas páginas dos nossos jornalões catarinas monopolizados.
Abraço
Tio César,
Está aí uma das principais causas de vivermos numa sociedade endemicamente corrupta, pois impune!
Cesar. Sem querer ser demasiado enxerido, já abordei o assunto sobre o "dogma" da presunção de inocência num artigo que publiquei no meu blog em 18/04/2006 que, se interessar, pode ser lido aqui: http://dellandrea.zip.net/arch2006-04-16_2006-04-30.html#2006_04-18_23_05_49-8258142-0. A conclusão é a mesma do promotor. Estou aprimorando o texto para publicá-lo aqui, no jornal O SUL. Grande abraço e desculpe a impertinência.
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