sexta-feira, 31 de outubro de 2008

ADEUS À DONA ADELINA

A dona Adelina Hess de Souza, que morreu hoje aos 82 anos, foi uma empreendedora de enorme valor que, por coincidência, teve um papel importante num dos meus modestos empreendimentos. Em 1994 Acari Amorim e eu nos associamos para lançar uma nova revista de economia, a Empreendedor (na época o nome soava horrível, era palavra pouco usada). Pelo projeto editorial, haveria, em cada edição, um perfil de empreendedor. Escolhemos, para o primeiro número (foto acima), a dona Adelina. Ela parecia simbolizar tudo o que a palavra empreendedor significa.

Para executar a tarefa designei um jovem jornalista que tinha sido um dos primeiros a compor a pequena, mas valorosa, equipe da revista, o Alexandre Gonçalves. E ele rumou a Blumenau escoltado pelo fotógrafo Lauro Maeda, outro jovem igualmente promissor. De lá trouxeram um material de primeira qualidade, que enriqueceu o primeiro número, encheu-nos de entusiasmo e certamente ajudou a estabelecer um parâmetro para os demais perfis.

A dona Adelina, na minha cabeça, era uma espécie de madrinha virtual da revista e do que a gente, naquela primeira fase, queria mostrar. Depois de uma vida produtiva, decerto vai agitar um pouco as coisas lá no céu, que ela não é de ficar parada.

Para que vocês conheçam um pouco a dona Adelina transcrevo, abaixo, a parte inicial do texto do Alexandre que foi publicado na revista, em agosto de 1994. As duas fotos dela publicadas aqui foram reproduzidas das páginas daquela edição e são do Lauro Maeda.


Honrando a camisa

Com garra e determinação dona Adelina Hess de Souza criou 16 filhos e participou ativamente do crescimento da Dudalina, a segunda maior fábrica de camisas do Brasil

Por Alexandre Gonçalves

Quando se tornam mães, a maioria das mulheres abre mão de trabalho, estudo e, muitas vezes, sonhos e ideais para cuidarem dos filhos. Mas dona Adelina Clara Hess de Souza ignorou completamente a tradição: teve dezesseis filhos e criou todos sem abandonar o sonho de transformar a Dudalina, uma pequena camisaria caseira, numa grande empresa. “Os meus irmãos sempre diziam que eu tinha tirado a energia deles”, diz. Com muito trabalho e determinação, ela conseguiu. A Dudalina é hoje a segunda maior indústria de camisas do Brasil, com quatro fábricas em Santa Catarina (nas cidades de Blumenau, Luís AIves, Lontras e Presidente Getúlio) e uma no Paraná (em Terra Boa). São quase 1.000 empregados, com estimativa, para este ano, de produção de 1,8 milhão de peças e de faturamento em torno de US$ 27milhões.

A trajetória de sucesso de dona Adelina teve início ainda na adolescência, quando passou a trabalhar no armazém de secos e molhados dos pais, Leopoldo e Verônica, em Luís Alves, sua cidade natal. “Eu devia ter uns 15 anos na época”. Com dezoito anos, dona Adelina resolveu tirar o curso de corte e costura. Parecia prever o futuro que teria pela frente. Futuro que começou a ser desenhado um ano depois, em 1945, durante um comício da campanha do general Eurico Gaspar Dutra à presidência da República.

Foi neste ano que ela conheceu Rodolfo Francisco de Souza, o Duda, como era chamado desde os tempos de criança. No mesmo dia, eles planejaram a vida que pretendiam levar juntos – incluindo aí duas dezenas de filhos. Vieram dezesseis, onze homens e cinco mulheres. “Todos bonitos e saudáveis”, costuma dizer dona Adelina, quando alguém acha o número exagerado. Com um plano tão ousado, a história de Adelina e Duda só podia mesmo terminar em casamento. E foi o que aconteceu, em 1947. Dez meses depois, nascia o primeiro filho, Anselmo. Quase que ao mesmo tempo, o casal adquiriu o armazém de secos e molhados dos pais de Adelina, onde mais tarde nasceria a Dudalina.

PRESENTE DE TURCO
Como a maioria dos comerciantes, eles também costumavam viajar até São Paulo para comprar mercadorias supostamente de melhor qualidade. Havia sempre um revezamento entre os dois. Um dia ia dona Adelina, no outro, seu Duda. Nos períodos de gravidez, dona Adelina era obrigada a ficar em casa, indo seu Duda em seu lugar.

Numa dessas viagens, em 1954, ele chegou na rua 25 de Março, tradicional reduto do comércio paulistano, onde um turco lhe ofereceu 600 metros de seda, por um precinho camarada, para ser pago em 12 meses, praticamente sem juros.

Empolgado, Duda trouxe a mercadoria, mas não deu sorte. Todo o estoque do tecido, fora de moda, ficou encalhado. Dona Adelina, percebendo que as sedas não estavam agradando, procurava uma forma de se livrar daquele “presente de turco”. A única saída que encontrou foi transformar todo tecido em camisas para ver se conseguia pelo menos esvaziar o depósito. A idéia funcionou. Os clientes gostaram do produto, o que motivou o casal a entrar de cabeça na produção de novas camisas. Isso aconteceria oficialmente em março de 57, quando contrataram duas costureiras e transformaram o quarto da empregada em sala de costura, pelo menos durante o dia, quando as camas eram retiradas para dar lugar à confecção.

Não era só o espaço do novo negócio que era pequeno. O dinheiro para o investimento também não era lá grandes coisas. Não havia capital de giro para a compra do maquinário, mas dona Adelina superou este obstáculo, alugando as máquinas das costureiras. Cada uma trazia sua máquina de casa e no final do mês ganhava uma espécie de gratificação pelo empréstimo. “Se a costureira recebia 100 mil réis, nós pagavamos mais 50% pela máquina”, explica dona Adelina. Como se não bastassem os problemas com dinheiro, não havia energia elétrica em Luís Alves, obrigando seu Duda e dona Adelina a comprarem um gerador usado, para impulsionar o maquinário e não prejudicar a produção.

A pequena confecção crescia e o quartinho da casa da família Souza não era suficiente para suportar a demanda. Para ter mais espaço, eles alugaram uma casa em frente ao sobrado onde moravam. Em 1962, a empresa ganhou um novo nome: Indústria e Comércio Dudalina S.A. A marca, criada a partir dos apelidos de seus fundadores (Duda e Lina), foi sugerida pelo sobrinho Frederico de Souza, que sempre ajudou os tios na confecção.

O PRIMEIRO PEDIDO
Para que a camisaria expandisse seus negócios, era preciso também contratar pessoal. Dona Adelina saía à procura de novas costureiras nas regiões próximas a Luís Alves, onde os colonos viviam, cercados de plantações por todos os lados. Era difícil mostrar para os agricultores um novo horizonte para suas filhas. O medo de que as meninas se “perdessem”, exigia um esforço maior de dona Adelina na hora de falar com os colonos. “Eu dizia que assumia a filha deles, se ela fosse trabalhar de costureira comigo. Chegava a prometer que à noite, nenhuma menina ia chegar perto de homem”, conta dona Adelina.

Com um espaço e uma equipe maior, a confecção começou a se consolidar no mercado. As camisas estava sendo bem recebidas pelos consumidores. Começaram a surgir as primeiras vendas no atacado. “Foi indescritível o que senti ao faturar o primeiro pedido”, relembra dona Adelina. “A venda de 54 camisas, feita por um representante chamado Gessner para o Batalhão Rodoviário de Lages, abriu novos horizontes para os nossos negócios”. O dinheiro entrava mais rápido. No varejo, os principais compradores eram os agricultores de Luís Alves, que pagavam de acordo com o período da safra. “Vendíamos em maio de 48 para receber só em maio de 49”, diz. A demora no pagamento impedia novos investimentos.

5 comentários:

Redação Plano E disse...

Guardo uma edição em casa, com muito orgulho de ter contado ou de ter começado minha carreira profissional contando uma história tão bacana e exemplar.

Frank Maia disse...

Eu tb guardo essa com orgulho.
Já tinha escrito pro Alexandre logo q vi a notícia sobre a dona Adelina. Abrazzz, César!

Anônimo disse...

Prabéns a todos. A matéria é ótima, a D Adelina é impressionante. Uma boa nova vida para ela.

Anônimo disse...

Cásar, parabéns pela iniciativa da homenagem !! Belo exemplo de vida, Dona Adelina foi, como sabemos, mãe de outros grandes empreendedores! Eu por exemplo, trabalhei com o Armando e me orgulho muito disso!

Unknown disse...

Parabéns pela homenagem feita a uma grande mulher, exemplo de vida Dona Adelina.
Fui ao seu aniversario de 80 anos prestigiar tamanho sombolo de dedicação....

Abraços a todos