Alertado por um leitor e pelo blog “Comentários, blogs e notícias”, lembrei-me que hoje é 29 de outubro e que, em 2003, nesta data começávamos a viver uma aventura que deveria ser inesquecível.
Abaixo algumas notas que publiquei, no meu blog de então, o Carta Aberta. Como estava sem eletricidade e sem internet, pedi que um filho, que estava em São Paulo, colocasse o primeiro aviso:
APAGÃO EM FLORIANÓPOLIS (29/10/2003, às 23:55)
Pelo postador interino
A cidade mergulhou no caos, sem luz, sem sinais de trânsito, sem pilhas para os radinhos e sem muita perspectiva de voltar ao normal. O seu Cesar, depois de subir 11 andares de escada pra ir trabalhar, descobriu que um liquinho usado pra soldar alguma coisa perto dos cabos de alta tensão que alimentam a Ilha de Santa Catarina explodiu e jogou dois caras no mar.
Essa explosão destruiu os cabos debaixo da ponte Colombo Salles, que são resfriados a óleo, causando um incêndio que chegou a afetar (derreter, trincar ou rachar, os relatos divergem) o asfalto da ponte. Além disso, deixou toda a ilha no escuro, desde às 13h30.
A Cora Rónai, que está de visita, deve ter ficado com mais essa boa impressão da cidade, além dos chefões das maiores empresas de Telecom do mundo, reunidos para a Futurecom (acho que é esse o nome) também em Florianópolis.
O trânsito ficou uma loucura, segundo o relato do seu Cesar. Motoristas na preferencial ignoram os coitados que tentam entrar nas avenidas. O novíssimo túnel do Saco dos Limões teve seu primeiro engarrafamento, e os motoristas desacostumados esqueceram de desligar seus motores, fazendo muitos passarem mal com o dióxido de carbono.
Parece que até o meio dia de amanhã tudo volta ao normal, inclusive este blog, mas enquanto isso vai se esgotando o estoque de velas e o repertório de jogos de baralho e sombras na parede.
Ainda bem que os telefones convencionais não dependem de eletricidade (parece que os celulares tavam com problema), assim podemos ter esse relato em primeira mão (meio atrasado, é verdade) do acontecido.
Logo o titular do blog voltará a postar. Enquanto isso fiquem atentos ao noticiário.
ALIVE! I'M ALIVE! (31/10/2003 às 13:48)
Acabou de voltar a luz aqui em casa, depois de exatas 48 horas de apagão. Assim que tomar pé, tomar banho, jogar fora o que estava no freezer, tirar a água do porão, ler o que está nos blogs amigos, volto para por no ar a programação normal. Até já.
Assim que resolver um pequeno problema de conexão entre o meu "electricity independent text processor" (Smith-Corona, na foto) e o computador, começo a postar algumas partes da lenga-lenga que escrevi à luz de velas.
NINGUÉM MERECE (31/10/2003 às 14:59)
Ficar 48 horas sem luz porque um avião bateu na ponte, ou porque um caminhão de dinamite esbarrou num fusca mal estacionado e explodiu, até pode ser chato, mas tem seu charme. Só que ficar 48 horas sem luz porque alguém, da concessionária de energia elétrica, fez alguma coisa errada com um maçarico durante uma manutenção de rotina, é muito chato. Só.
Chato porque a gente descobre que muitos anos depois de terem construído a segunda ponte de concreto, as duas únicas linhas de transmissão ligando o continente à ilha continuam passando, juntinhas, na mesma galeria da mesma ponte. Ou seja, a linha que poderia servir de alternativa estava ali, no mesmo local do acidente. Que, é lógico, queimou as duas.
O que foi feito depois, aí sim, foi um trabalho de gigantes. Em poucas horas bolaram uma forma criativa de estender uma linha que trouxesse a energia, cruzando o braço de mar. Em menos de 48 horas foram fincados 50 postes, daqueles grandões de alta tensão, capazes de suportar três fases, lançados mais de 5 mil metros de fios, solucionado um problema complicado de engenharia para fixar a linha embaixo de uma das pontes (os caras trabalharam pendurados em guindastes, dezenas de metros acima dágua).
E continuam trabalhando, porque conseguiram completar a ligação apenas a uma subestação, que abastece cerca de 45% da Ilha. Eles esperam até às 16h ligar-se à outra subestação, que está interligada com as demais e aí a luz chegará a todos os consumidores. São cerca de 300 abnegados, entre engenheiros e técnicos de todas as qualificações, que estão trabalhando direto, 48 horas na raça, numa operação de guerra que, pela urgência, não permitiu projetos, plantas, ensaios. A coisa foi sendo feita no olho e no peito. E a luz chegou sem qualquer problema, mostrando que a pressa, nesse caso, casou-se com a perfeição.
Chato também porque a gente descobre que a companhia de água (Casan), não tem geradores nem qualquer plano de emergência para garantir que suas estações de recalque ou bombeamento continuem trabalhando num apagão. Então, foi mais ou menos automático: apagou a luz, acabou a água. E a luz volta, mas a água é mais lenta, vai levar ainda umas 72 horas para chegar aos locais mais altos e ficar tudo normalizado.
O rádio de pilha passou a ser o melhor amigo, produto de primeira necessidade. E dá-lhe procurar nos guardados walk-man antigo que tinha rádio, aquele velho radinho do futebol, ou então pilha grandona para fazer funcionar o boom-box.
Os florianopolitanos, tirante uns bobalhões que tentaram azucrinar a vida da cidade nesta segunda noite sem luz (e que foram responsáveis por boa parte das 500 ocorrências que a polícia atendeu durante a noite), comportaram-se como gente grande. Nas ligações para as estações de rádio (os telefones fixos funcionaram o tempo todo), alguns desabafavam com toda a razão, mas a maioria era muito sensata e solidária. Não teve vandalismo, não teve quebra-quebra e só um incêndio por descuido com velas.
Claro, com a volta da luz, o foco muda do esforço coletivo para dotar a cidade desses bens essenciais, para uma necessária revisão e saudável cobrança de responsabilidades.
1. Quem foi o gênio que não dotou a Casan de geradores a diesel para acionar as bombas?
2. Quem foi o gênio que achou que a cidade estava bem servida com essa ligação elétrica que apesar de dupla passava pelo mesmo e confinado local?
3. Quem foi o gênio que achou que a cidade não precisava de um plano eficiente de emergência que, levando-se em conta que as únicas ligações de luz e água passam sobre uma ponte (e pontes, às vezes, podem cair, pois não?) previsse esse cenário?
E por aí vai.
Bom, para completar o conjunto de desgraças, os cabos eram refrigerados a óleo e com a chama ou a explosão inicial incendiaram-se. O fogo durou quase 20 horas e atingiu temperaturas muito altas. A estrutura de concreto protendido da ponte pode estar comprometida. A ponte foi interditada neste final de semana justamente para permitir que uma perícia seja feita. Se o dano for grave, a pobre e valerosa cidade de Florianópolis ficará ligada ao Continente apenas por quatro pistas da Ponte Pedro Ivo Campos ainda por muito, muito tempo. Duas pra lá, duas pra cá. E aquele engarrafamento que a Cora mostrou poderá se transformar numa cena constante.
Daqui a pouco eu volto (devo estar uns 20 quilos mais gordo: para não desperdiçar, desde ontem estamos comendo feito uns loucos o estoque de ostras, camarões, peixes e outros bichos que estavam armazenados no freezer. E está na hora da quarta refeição de hoje ;-)) .
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9 comentários:
Tio César,
O mais hilário deste episódio foi a laudo do corpo de bombeiros!
Simplesmente ridículo.
Para quem não se lembra, esconderam o técnico durante dias, até poderem montar a farsa!
Cesar, sabe a Futurecom, esta feira que durante anos foi aqui em Florianópolis e agora mudou-se para São Paulo? Pois é, um dos motivos foi que em 2003 o apagão acabou com a feira. No ano seguinte, eu cobria a feira quando o organizador - um empresário de Curitiba - lembrou do episódio. Fico imaginando o que ele deve ter pensado quando a caravana catarinense foi lá pedir a ele para fazer a feira aqui de novo.
Abraço,
Marcelo Santos
Tio césar
Já naquela época o Luis XV se apropriava do trabalho dos outros.
Depois de não aparecer quando o apagão começou (pra variar estava viajando), quando a ELETROSUL montou a linha de emergência, aparece ele alardeando que fora obra da Celesc, sob seus cuidados.
Li no blog Azevedo hoje...
Dário contesta o posicionamento colocado pelo blog e pela coluna Informe Político, do Diário Catarinense, de que a atenção do momento deveria ser dada ao Orçamento em função das obras anunciadas por ele durante a campanha.
- Estão mal informados. As obras (elevado do Trevo da Seta, Centro Multiuso do Norte da Ilha e alargamento da pista da SC-405, no Sul da Ilha) serão feitas com recursos do governo do Estado e eu não preciso acrescentar nada ao Orçamento > explicou o prefeito.
UÉ + NA CAMPANHA ELE NAU DISSE Q ERA TD OBRA DELE? TO ENGANADO OH TO FICANDO LOKO...
Oh anônimo das 5:19 pm,
As obras são do Konder Reis e do Jorge Bornhausen, não tem.
Vão ser cínicos assim na pqp!
Do apagão eu lembro da memorável entrevista que o Luiz 15 deu no Palácio da Agronômica para a CBN. E ele tentou explicar a causa do re-apagão (a luz tinha voltado mas teve que ser desligada por que os cabos balançavam muito embaixo da ponte). Ele disse que tinha tido um vendaval de mais ou menos 120 km/hora. A CBN ligou para o aeroporto para saber a quanto tinha chegado o vento, e eles responderam que não tinha havido qualquer vento anormal ! Foi aí que o Danilo Cunha assumiu o controle da situação !
Na minha casa chegava água do Poção, por obra da lei da gravidade que o Luiz 15 não revogou ainda.
Rádio, só o do automóvel e comida só no Continente !
E pensar que a nova ligação para impedir a repetição dessa ocorrência ainda está sendo feita e a nova subestação da Celesc ainda só é placa na Beira-Mar Norte !
Essa do vento fantasma eu lembro bem.
Mas tem uma coisa que me intriga: Se resolveram os problemas, qual o motivo para deixar aqueles postes de madeira nos mesmos locais até hoje? É o "provisório definitivo" ?
Ô anônimo das 8:25 !
Ainda não resolveram os problemas que causaram o apagão !
Continua tudo igual ! Os cabos das duas ligações para Ilha continuam passando juntos na mesma ponte e a nova ligação submarina ainda está sendo construída pela Eletrosul no Ribeirão.
A subestação da Celesc é só placa de publicidade na Beira-Mar Norte, perto do Palácio do Luiz 15 ! Agora que passou a eleição, talvez nem precise mais !
É por isso que os postes ainda estão lá, para poder ligar toda aquela gambiarra outra vez, em caso de repetir a situação.
E a água? Vão trazer de baldinho se der algum problema lá nos canos?
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