quarta-feira, 30 de julho de 2008

O “DOGMA” DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Republiquei, um pouco abaixo, na nota “Para ler e pensar”, artigo do subprocurador-geral da República que fala sobre a falência do sistema penal brasileiro. O artigo fez um grande sucesso em O Globo.

Pois o Ilton Dellandréa (do blog Jus Sperniandi) tinha escrito, em abril de 2006, um post que já tratava da questão agora levantada. De certa forma, o artigo do subprocurador complementa o que o Ilton tinha escrito. Transcrevo a seguir o post. Ah, o Ilton informa que está atualizando este texto, para o jornal O Sul, de Porto Alegre. Certamente irá publicá-lo também no Jus Sperniandi.

PARECE QUE VAI FICAR MAIS DIFÍCIL IR PARA A CADEIA
Por Ilton C. Dellandréa
“Esta é prá arrepiar os cabelos dos meus colegas e dos juristas lá de cima, aqueles que foram alçados aos tribunais superiores em razão de seu notável saber jurídico e não por motivos políticos. E dos advogados, naturalmente.

A presunção de inocência não é algo presenteado aos homens por deuses ou criaturas de conhecimento transcendente ou irrefutável. É uma criação de juristas que poderia ser – como já o foi – mitigada na sua ênfase dogmática e pode sofrer alguma exceção. Afinal, se o homem a criou pode também modificá-la. Sempre usada com desenvoltura pelos réus porque gravada na Constituição, merece considerações.

É óbvio que não se nega força filosófica e jurídica a essa expressão idiomática que, todavia, não encerra princípios tão absolutos de certeza que possa afastar evidências ou impor-se por si própria. Se assim fosse não subsistiria sob qualquer fundamento a prisão cautelar. Porque alguém só poderia ser preso após sacramentada, em todas as instâncias, sua condenação.

Entendo, por mais críticas que possa merecer, que desde que alguém cometa um delito, sofra inquérito que justifique denúncia do Ministério Público – obrigado a examinar o inquérito com cautela e extremo cuidado – a presunção deixa de ser absolutíssima. Embora caiba ao Estado provar a existência do crime e a culpa do réu, pesa sobre este de início, no mínimo, a suspeita da prática de ato ilícito.

Se condenado, a sentença, mesmo sujeita a recurso, mitiga mais ainda a presunção e, no meu entender, o condenado passa a ser um presumível culpado. A condenação pelo juiz retira do apenado a presunção absoluta de inocência porque no entender de autoridade judiciária de saber jurídico indiscutível – um juiz não é nomeado por critérios políticos –, houve prova suficiente de conduta ilícita que autorizou a condenação.

Negar esta condição equivale a considerar aprioristicamente sem efeito a decisão de primeiro grau e restringir a autoridade jurisdicional dos juízes. Mais racional seria abolir a sentença e determinar que, colhida a prova e instruído o processo fosse este encaminhado ao Tribunal imediatamente superior para decisão.

Sempre entendi que a justiça melhor é a de primeiro grau. O juiz contata com os envolvidos, colhe a prova e tem condições objetivas de apreciá-la melhor. Em grau de recurso os desembargadores examinam a letra fria do processo e, muitas vezes, surgem interferências indevidas, como a própria vaidade dos julgadores ou algum ponto não visto e entendido da forma como captado na coleta da prova.

Atualmente o recurso ao STJ e/ou ao STF não tem efeito suspensivo, isto é, não suspende o acórdão que confirmou a sentença condenatória ou reformou a absolutória: o réu condenado e com a sentença confirmada em segundo grau terá, em princípio, que se recolher ao presídio.

Mas hoje, dia 19, a situação pode mudar. Está previsto o julgamento, no STF, de quatro habeas corpus em que réus pretendem o reconhecimento de seu direito de presunção de inocência absoluta e, em conseqüência, que só poderão permanecer presos ou ir para a cadeia após esgotados todos os recursos possíveis em todas as instâncias disponíveis.

Pela tendência liberal que impera no STF após as últimas mudanças de seus membros prevê-se decisão favorável a esses réus.

Na prática isto significará que os tribunais superiores ficarão ainda mais atulhados de serviço em razão dos recursos que serão interpostos, que a demora nos julgamentos ensejará a prescrição de grande número de ações e que a maioria dos réus culpados jamais irá para a prisão. Mesmo tendo sido condenados por um juiz com sentença confirmada por um tribunal.”

9 comentários:

Anônimo disse...

Teremos de considerar e aplaudir mais uma possibilidade de total I M P U N I D A D E!

Anônimo disse...

Sem querer polemizar, se a justiça de primeiro grau sempre é a mais sábia, então fecha todo o resto. Pobre de quem for julgado apenas por um....Na ditadura era assim: prende primeiro, julga depois (apenas por poucos "juizes" ) e sem direito à defesa. Pelo que vejo, realmente querem a volta do estado policial.

Anônimo disse...

Anônimo II. Talvez eu tenha me expressado mal. Na área criminal, que é a em questão, e que depende de prova técnica ou testemunhal, sempre valorizei mais as decisões de primeiro grau do que as do segundo. Isto porque a vivência me demonstrou que as maiores injustiças partiram, na grande maioria das vezes, das instâncias superiores.

Anônimo disse...

No que se refere ao segundo aspecto, "do tempo da Ditadura", só para esclarecer, já existia o duplo grau de jurisdição. E as câmaras dos tribunais tinham a mesma composição das atuais. Por isto não entendi o que você quis dizer que o julgamento era "por poucos juízes". Substancialmente, nada mudou desde então.

Anônimo disse...

CARO ILTON, VC SABE O QUIZ DIZER POR 'POUCOS JUIZES'. AQUELES QUE JULGAVAM E CONDENAVAM AO MESMO TEMPO. AQUELES QUE SE ACHAVAM ACIMA DAS PROVAS E TESTEMUNHAS. AQUELES QUE TORTURAVAM. AQUELES QUE CENSURAVAM. AQUELES QUE NAO QUERIAM JUSTIÇA, ENFIM, AQUELES QUE NAO QUERIAM DEMOCRACIA. ISSO É ESTADO POLICIAL SIM, OU VC ACHA QUE NAQUELA ÉPOCA A JUSTIÇA ERA UM PODER INDEPENDENTE? QUE FUNCIONAVAM TODAS AS JURISDIÇOES?

Anônimo disse...

Anônimo II: para encerrar o assunto. Estamos falando de coisas diferentes. Aqueles que prendiam, torturavam e matavam não eram do Poder Judiciário, mas do Executivo. Meu artigo fala, essencialmente, da presunção de inocência em voga, hoje, no Poder Judiciário. Naquele tempo eu fui advogado e juiz e nunca senti o Judiciário pressionado, ao menos nas esferas em que atuei. Ele era, sim independente. Em muitos aspectos, mais do que hoje. Se você quiser entender o meu pensamento sobre isso tudo, deve ler artigos que já publiquei no meu blog. Não me julgue por uma única frase que você pinçou de um contexto e que é um mero reforço ao entendimento de que as decisões de primeiro grau devem ser valorizadas.

Anônimo disse...

Olá Dr. Ilton! concordo com o artigo em tela exposto pelo senhor! Mas que também não tenho muito o que discutir, afinal, estás anos luz na minha frente!!!
Sou universitária de Direito, e minha monografia é a respeito d presunção de inocência. Gostei de enocntrar um artigo sobre o tema, e tão recente, se não for perturbá-lo, e se puder me ajudar, gostaria que o senhor me indicasse algumas obras sobre o tema, se for possível, autor, obra enfim, informações importantes para encontrá-las, e se tiver mais algum artigo, gostaria de ler! atenciosamente!!

Anônimo disse...

Lili. Por favor informe seu e-mail para contato, aqui ou no meu blogue. Abraços.

Anônimo disse...

Dr. Ilton
Num país cuja característica mais profunda é a injustiça, é um bálsamo saber que existem juízes como o sr. E que no Judiciário devem existir outras pessoas que não comungam com a bizarrice reinante.
Parabéns e continue!
Carlos X