quarta-feira, 23 de julho de 2008

LÁ VEM TODO MUNDO!

Enquanto espero a confirmação de ter-me tornado milionário, com o anúncio do resultado da mega-sena, vou levando esta quarta-feira em banho-maria. E convido-os a desacelerar e embarcar na mesma canoa.

Pra ajudar na introspecção reflexiva e na lubrificação das engrenagens do pensamento, trago uma resenha que meu filho Pedro fez (e publicou no blog dele), sobre um livro que leu e que achei muito interessante (relação entre o novo e o velho mundo da comunicação). É longa. Acomodem-se numa boa cadeira. E esta é só a primeira parte.

Tenham todos uma tarde lenta e produtiva de final de veranico.
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LÁ VEM TODO MUNDO
Por Pedro Valente

Terminei esses dias de ler Here Comes Everybody, do Clay Shirky, um cara que consegue clarear e dar um sentido bem coerente pra muitos conceitos que pairam por aí neste “mundo conectado”. Faço aqui um resumo das partes que achei mais interessantes. Provavalmente nos próximos dias posto uma continuação.

O conceito por trás de todo o livro é o ‘colapso do custo das transações’. Traduzindo, é o fenômeno que acontece quanto algo muito difícil ou trabalhoso e de repente se torna simples e trivial. Em comparação com os anos pré-internet, o custo e o esforço para se formar grupos coordenados, por exemplo, foi reduzido brutalmente. Por isso a auto-organização de pessoas em conjunto por todo o mundo começou a pipocar como nunca.

Shirky diz que antigamente, quem debatia o papel das organizações via apenas dois caminhos para se concluir uma tarefa: um esforço comandado pelo Estado, com um plano para resolver o problema; ou a livre competição do mercado. Levava-se em conta a premissa de que as pessoas não tinham como se auto-organizar de uma hora pra outra. Era verdade, mas agora mudou.

Ele enumera uma “escada” de atividades que os grupos auto-organizados têm conseguido realizar usando ferramentas sociais, as catalisadoras destes movimentos:

Compartilhamento é o modelo que cria menos demandas para os participantes. Colocar suas fotos no Flickr para que todos vejam é uma forma de compartilhar.

Cooperação é o segundo degrau, e é mais complicado do que apenas compartilhar, porque exige que você mude seu comportamento para sincronizá-lo com o de pessoas que também mudam seus próprios comportamentos para cooperar com você. Diferente do compartilhamento, a cooperação cria um senso de grupo - você sabe com quem coopera. A conversa - por comunicadores instantâneos ou e-mail - é a forma mais comum de cooperação, diz Shirky.

Produção colaborativa é uma maneira ainda mais engajada de cooperação. Aumenta a tensão entre os objetivos individuais e os do grupo. A maior diferença entre produção colaborativa e compartilhamento de informação é que a primeira exige que o grupo tome certas decisões em conjunto. É a argumentação e a guerra de edição que acontecem na Wikipédia.

Ação coletiva é o terceiro degrau. É o mais difícil, pois exige um grupo coeso que esteja determinado a atingir um objetivo. A união do grupo é essencial para o seu sucesso.

Enquanto o compartilhamento de informação produz percepção compartilhada entre os participantes e a produção colaborativa resulta em criação compartilhada, a ação coletiva cria responsabilidade compartilhada, fundindo a identidade do usuário com a identidade do grupo. Um exemplo de ação coletiva é o desafio à governança, consumidores indignados exigindo seus direitos ou eleitores buscando mudanças na lei. Por tabela, fica claro que existe uma maneira de se perder a batalha.

No fundo, a principal vantagem dada pelas novas ferramentas sociais é a “formação ridiculamente simples de grupos”, nos termos de Seb Paquet.

Todos são produtores de mídia
No capítulo que mais enfoca o jornalismo, Clay Shirky conta a história de seu tio Howard, dono de jornal em uma pequena cidade do interior americano. Ele criticava o USA Today, chamando-o de “TV no papel”. No fim das contas, o novo jornal não foi uma ameaça tão grande. Chegou a roubar circulação de jornais menores, mas o resultado não foi a catástrofe prevista por muitos.
“O catastrófico foi uma mudança menos visível, porém mais significativa, que já ganhava força no momento em que o USA Today era lançado. A principal ameaça ao Richmond Daily News , e sem dúvida a todos os jornais pequenos e grandes, não era a competição de outros jornais, mas mudanças radicais no ecossistema geral da informação. A idéia de que alguém poderia construir impressoras a quatro cores que rodassem dia e noite era fácil de entender. A idéia de que a transmissão de notícias via papel poderia se tornar uma má idéia, de que todas aquelas impressoras enormes e barulhentas pudessem ser como locomotivas a vapor na era da combustão interna era quase impossível de se perceber. Howard poderia imaginar alguém fazendo o que ele fazia, porém melhor. O que ele não podia imaginar é alguém tornando obsoleto o que ele fazia.”
Shirky segue dizendo que muitas pessoas no ramo dos jornais não entenderam a importância da internet. Talvez por um narcisismo da profissão, argumenta, a produção feita por não-profissionais não era algo a ser levado a sério.

Ele busca entender o que originou a profissão de jornalista, e se depara com conceitos fundamentais que nem sempre nos lembramos. Um deles é que uma profissão existe para resolver um problema que exija especialização. Dirigir carros de corrida é coisa para pilotos profissionais. Dirigir um carro comum não exige que a pessoa tenha uma nova profissão, é relativamente simples.

Outras profissões existem para gerenciar algum recurso escasso. Bibliotecários organizam livros nas prateleiras, executivos de jornal decidem o que vai na primeira página. Aí surgem os gatekeepers.
Uma profissão também é definida pelas regras que devem ser seguidas por seus membros e suas relações de fiscalização com os colegas. E daí surge o código de ética dos jornalistas e outras normas de conduta.

A viabilidade comercial do produto jornalístico e a tecnologia utilizada também influenciam no comportamento do profissional. Mesmo com a introdução do rádio e da TV, os jornais mantinham o monopólio da palavra escrita na hora de informar as pessoas das notícias do dia - até o surgimento da web. A web não introduziu um novo competidor no antigo ecossistema, como havia feito o USA Today. A web criou um novo ecossistema.

Embora seja um modelo estável e tradicional, se pensarmos bem não há muita conexão entre os elementos presentes em um jornal. Resultados de futebol, notícias de política, horóscopo e classificados em um “amontoado idiossincrático”. O que segura um jornal é, primeiro, o custo do papel, tinta e distribuição. Um jornal é qualquer grupo de itens impressos que um editor consiga amontoar em conjunto e entregar lucrativamente.

O corolário também é verdade: não entra no jornal o que for muito caro para se imprimir e entregar.
“A velha barganha do jornal - notícias internacionais junto com horóscopo e anúncios de pizzaria - acabou. O futuro apresentado pela internet é a massificação do amadorismo na publicação e uma troca de ‘Por que publicar isto?’ para ‘Por que não?’
Falhar hoje custa muito pouco. Fazer algo ruim não prejudica ninguém e nem dá prejuízo. Por isso a regra das ferramentas sociais que mais crescem é essa: produzir primeiro e filtrar depois.

Um comentário:

Sergio LdS disse...

Cesar, interessante a abordagem comentada pelo Pedro. Tomo a liberdade de sugerir, para quem se interessar, três leituras essenciais e que estão associadas àquela discussão: (1) O Tempo das Tribos, do Michel Maffesoli, (2) A Sociedade em Rede, de Manuel Castells e (3) A Lógica da Ação Coletiva, de Mancur Olson. A incompreensão com as transformações no macroambiente são nefastas para as organizações - públicas ou privadas. Algumas solenemente ignoram os agentes que compõem os diversos ambientes; outras dsconhecem; a maioria dissimula.