quinta-feira, 22 de maio de 2008

REMINISCÊNCIAS OUTONAIS: ALMA ARDE?

Hoje, 29 de julho de 2003, ao sair para o almoço, passei em frente ao antigo cinema São José (que depois abrigou dezenas de igrejas evangélicas e agora está fechado, com placas de aluga-se). Na entrada do velho cinema, que tantas lembranças traz aos florianopolitanos, alguns mendigos dormiam. Acho que eram alguns. Totalmente cobertos com um velho carpete, não dava pra ver quantos eram.

Tinha recebido, pouco tempo antes, um e-mail de uma amiga, a respeito de uma crônica antiga, de 1974, republicada no blog em 2003, que falava sobre mendigos e minha indignação diante dessas injustiças:

“Sabe o que eu gostaria de saber? Se tu escreveria sobre o mesmo tema, com o mesmo ardor, hoje. Se tua alma ainda queima, ou se o tempo... sabe? É só uma curiosidade. Vamos supor que Tê da Silva tivesse morrido ontem: mereceria uma crônica tua? E como seria escrita? Tô sendo impertinente?”

Já tive, em jornais e blogs, algumas discussões com esse Cesar versão 74. É claro que o Cesar 2003, com mais 29 anos de janela e de esquina vê as coisas de um outro jeito. Conduz suas lutas de uma outra forma. Leva sua vida em outro ritmo. E escreve diferente. Mas ao contrário de tanta gente, não peço que esqueçam o que escrevi.

Por mais que eu brinque dizendo que o Cesar 7.0 usa este espaço à revelia do Cesar 20.03, ainda somos a mesma pessoa e o mais velho é que autoriza as aparições do mais novo. Ele nunca dirá, aqui, nada com que eu não concorde. Ele nunca disse, por falar nisso, nada sem estarmos antes de pleno acordo. Ele e eu somos, literalmente, a mesma pessoa.

Pois bem, estava imerso nesses pensamentos quando passei diante daqueles companheiros mendigos, deitados sob o carpete, dormindo no tímido calor do meio-dia (a noite deve ter sido longa, a julgar pelas garrafas jogadas ao lado). Por que fui buscar um texto antigo (ou velho) em vez de produzir um novo?

E, pairando acima de tudo, brilhando como um painel luminoso da Faria Lima, estava o âmago da questão: “tua alma ainda queima?”

O epitáfio que mandei escrever no túmulo do meu pai, a pedido dele (pedido feito antes de morrer, claro), é “Que importa restarem cinzas/ se a chama foi bela e alta?” Essa história de queimar, arder e virar cinzas, portanto, é uma preocupação familiar.

Mas, como dizia, passei diante dos mendigos e não senti nenhuma urgência em escrever alguma coisa parecida com o que fiz há 29 anos. Mesmo assim, não acho que dentro do peito tenha apenas um carvão apagado ou uma brasinha que nem para acender cigarro dê. Talvez a compreensão que tenho hoje do processo que leva a esta situação, somado ao fato de que naquela época havia o claro e o escuro com uma estreita faixa de lusco-fusco, me leve a outro tipo de ação.

Ou vai ver que, de fato, a alma apagou e tudo o que faço aqui é lembrar uma velha chama. E as cinzas, sabe-se lá, chegaram antes do tempo. E o que senti ao passar por aquela gente, um cansaço, uma dor repleta de impotência, uma tristeza de doer nos ossos, seja o máximo que eu consiga fazer. Antes de chegar ao restaurante ainda tive de enxugar, disfarçadamente, constrangido, uma lágrima fria que escapou por baixo dos óculos.

3 comentários:

Anônimo disse...

Cesar, seu sacana fdp... me fizeste 'suar' os olhos... como é bom saber que o coração da gente ainda bate. Afinal, por quem os sinos dobram, Professor? Paulão

Anônimo disse...

Por essas e outras tens platéia, fãs e respeito.

Anônimo disse...

Então tás me dizendo que a nova igreja do Bita fechou ?
Abraços.