quarta-feira, 8 de outubro de 2008

OS NOVOS FLORIANOPOLITANOS

Está rolando, aqui, ali e acolá, uma discussão sobre “nativos” e os “de fora”, a propósito da campanha eleitoral. Acho oportuno, então, republicar uma crônica de 2004 onde dou meu pitaco sobre o momentoso assunto.
Os novos florianopolitanos

Quando Florianópolis era menor e a gente conhecia muita gente, ninguém se sentia muito ameaçado com os poucos forasteiros que chegavam. Depois da grande invasão gaúcha da década de 70, muita gente ficou meio traumatizada. E achou que iria perder para estrangeiros o seu bem mais precioso: a vida pacata, na cidadezinha à beira mar.

Claro que perdeu. Perdemos todos. Aquela Florianópolis acabou. Teria acabado mesmo sem aquela invasão. Talvez a gente demorasse um pouco mais a perder a inocência se logo no começo não tivessem vindo algumas criaturas que chegavam com uma mão na frente outra atrás, certos que aqui vivia um bando de tolos e que seria fácil tirar proveito desses caipiras movidos a pirão dágua. Mas o crescimento natural da cidade, mesmo sem aqueles episódios, acabaria por trazer-nos ao que somos hoje: uma grande e bela incógnita.

Depois da leva de gente que não trouxe nada e só veio para se aproveitar e tentar tirar vantagem, criou-se um justo sentimento de indignação. A expressão mais eloqüente dessa resistência foi o movimento que o Aldírio Simões e vários manés, amigos das rodas de bar, iniciaram meio de brincadeira: o troféu Manezinho da Ilha. Forma inteligente de dizer “péra aí, eu tou aqui, cheguei antes, me respeita!”, o movimento ajudou a elevar o moral da tropa, a recuperar a auto-estima dos nativos e a superar alguns dos traumas da grande invasão.

E nunca mais passou um dia sem que chegasse à cidade gente nova. Nascidos aqui e trazidos pelos mais diversos motivos. E a gente andava na rua e não via ninguém. Ninguém conhecido. Mas gente aos montes.

No final da década de 90 e início do novo século, começou a chegar outro tipo de gente. Um povo que, bem estabelecido em suas cidades, com a vida resolvida, escolhia, dentre todas as possibilidades que estavam ao alcance de suas posses (num leque que, em muitos casos, tinha também Miami, praias do nordeste, Provence), viver na Ilha de Santa Catarina. Reconheciam, aqui, uma terra que ainda guardava alguns valores importantes da vida comunitária. Respeitavam o que se conseguiu preservar. Queriam fazer parte dessa vida e dessa luta.

Esses novos florianopolitanos já podem ser encontrados em algumas associações de moradores, entrosados com seus vizinhos, vivendo suas vidas com o cuidado de não piorar a nossa. Não sei quantos de nós, nascidos aqui, que sofreram as dores do crescimento da cidade, estão percebendo que existem diferenças entre os recém-chegados. Não dá mais para gritar palavras de ordem genéricas e abrangentes: “fora paulistas, fora gaúchos, fora paranaenses!” Porque a luta, agora mais que nunca, não é mais entre os nativos e os estrangeiros.

Existem aqueles que, independentemente de etnia, cor, gênero, local de nascimento, idade ou sotaque, gostam da nossa Ilha. Querem fazer parte do grande esforço que todos teremos que fazer para manter o pouco que ainda resta e usar de forma inteligente nossos recursos, para que sejam duradouros, para que a Ilha não se descaracterize irremediavelmente. E existem aqueles – com alguns manezinhos que a gente conhece incluídos – que são capazes de vender as fortalezas centenárias pedra a pedra, para ter um lucrinho imediato. Mesmo que daqui a dois meses não sobre nada para se ver. Nenhum registro histórico para se apreciar e de onde aprender. Ganaciosos. E burros. Assassinos da galinha dos ovos de ouro.

Portanto, acho que não tem mais sentido falar em rixa entre os nativos e os de fora. Porque tanto num quanto no outro lado tem gente gananciosa e estúpida. E tanto num quanto no outro lado tem gente inteligente que sabe dar valor ao que é importante.

5 comentários:

Marcelo Fernandes Corrêa disse...

Caro Cesar, não sei se meu email foi o inspirador deste teu post. Se não foi, te mando este comentário, já publicado em meu blog marcelofernandes.blog.terra.com.br
Parabéns pelo posição a respeito.

O tempo e outras coisas

Era uma vez um vilarejo, fundado por açorianos, famílias que chegaram em barcos, pais, filhos, tias e avós, trazendo na bagagem a vontade de criar raízes, construir lares, ter vizinhos, amigos, comadres, compadres, cultuar suas origens e ser feliz, com quem mais estivesse por ali. O tempo foi passando, o lugarejo virou distrito, cidade e capital do Estado. Aqueles açorianos foram recebendo visitantes, forasteiros, gente que vinha de longe, gostava do que via, se apaixonava pelo lugar e resolvia ficar, sentar posada, trabalhar, criar seus filhos ali e, também, ser feliz. Décadas e séculos mais adiante, aqueles açorianos originais, quase nativos, já não se sentiam mais tão à vontade, tão donos de seus rincões, porque tiveram que dividir espaços, conviver com culturas diversas as suas e aprender a dividir aquela beleza natural com os “estrangeiros” que – agora que moravam ali há muito tempo, passaram à condição de “da terra” também, por mais que falassem com outro sotaque e fossem facilmente reconhecidos como “de fora”. Com o progresso e o passar dos anos, as gerações seguintes evoluíram, deixando de lado as ranhetices de seus antepassados. Superaram os preconceitos e curaram inúmeras fobias. Aquele povo açoriano, hoje, convive pacifica e harmoniosamente com estes “de fora”, absolutamente integrados, sem ranços, sem complexos de inferioridade que um dia tiveram, mas que o tempo, a educação e a fraternidade universal os fizeram maiores e, em fim, todos iguais. Hoje, ninguém é mais “de fora” ou “daqui”.
De que cidade estou falando? Alguém pensou que fosse Florianópolis? Não, esta é uma resumida história de Porto Alegre, que já se chamou Porto dos Casais, casais açorianos. Estas referências são encontradas hoje no Bairro Cidade Baixa, na capital gaúcha, preservadas, numa Praça chamada “dos Açorianos”.
Conto isso porque há 24 anos vejo, constrangido, pessoas serem apontadas como “de fora”. Mas me conforto sempre quando lembro desta história. Agora pouco li no Blog do meu irmão Carlos Damião uma destas tantas referências tão tristes, por conta das eleições e dos eleitores que votam aqui. É uma questão de tempo e de outras coisas e sei que um dia meus filhos, meus netos e bisnetos se confundirão na Praça XV e nos Sambaqui’s, eternamente, com este povo açoriano e maravilhoso de Florianópolis.

Anônimo disse...

É verdade, tem gente boa e gente ruim dos dois lados. Mas qual vai prevalecer? O da bergerlandia?

Anônimo disse...

Duas crônicas, bonitas, sensíveis e inteligentes. Não existe mais "os de fora" e "os daqui". Tanto uns quanto outros são capazes de preservar e destruir. Não é o local de nascimento que determina a consciência de ninguém. E sob outros aspectos, somos todos "de fora", afinal, só os indígenas que moravam aqui e que foram expulsos eram verdadeiramente nativos.

Anônimo disse...

Sobre este assunto, sempre presente, recomendo a leitura de uma outra crônica, no site Acontecendo Aqui. O endereço é o seguinte: http://www.acontecendoaqui.com.br/index.asp?dep=16&colunista=21&pg=13674

Cesar Valente disse...

Obrigado pela lembrança. Já tinha colocado o link para o Marcelo Fernandes (no "ali") e agora coloquei para a crônica do Gonzalo no "acolá".