terça-feira, 5 de agosto de 2008

O PALÁCIO BRASILEIR0 EM BUENOS AIRES

A foto acima e a lá de baixo foram tiradas ontem, durante o café da manhã de Lula e vários ministros com empresários brasileiros, antes de iniciar o Encontro Empresarial Brasil-Argentina. O local é uma das salas da Embaixada do Brasil em Buenos Aires.



[Fotos do Ricardo Stuckert/PR. Clique na foto para ampliar]



Abstraiam os personagens que aparecem na foto e concentrem-se na casa. É espetacular. Há dez anos, a Gazeta Mercantil mandou-me a Buenos Aires para fazer algumas reportagens para o caderno Viagens & Negócios. Quando vi a foto acima, achei que seria interessante tirar do fundo do baú o material que foi publicado no dia 20 de agosto de 1998, sobre a fabulosa embaixada brasileira. Permitam-me que os conduza nesta viagem arquitetônica.
Claro, Buenos Aires não está na Europa. É a Europa que está em Buenos Aires. A arquitetura que os ricos argentinos do início do século instalaram em sua capital não é apenas parecida com a européia: é arquitetura européia. Desenhada por europeus e executada magnificamente por artesãos imigrantes. Em alguns casos copiando casas e palácios que existiam ou existem na Europa.



Buenos Aires não é uma metrópole limitada em sua inspiração. O que havia de melhor na Inglaterra, na França, na Alemanha e em vários outros países foi trazido para a capital argentina. O exterior e os interiores das casas dos ricos não deviam nada às casas de padrão semelhante localizadas do outro lado do Oceano Atlântico.



Alimentadas, mantidas e impulsionadas pelo dinheiro farto gerado pelas estupendas reses de seus campos, no começo do século famílias argentinas inteiras passavam vários meses na Europa. Praticamente moravam lá e cá. Foi uma conseqüência natural pretenderem ter, na América do Sul, os mesmos confortos que desfrutavam acima da linha do Equador.



A história do palácio que serve de residência ao embaixador brasileiro e onde são realizadas as recepções do dia 7 de setembro exemplifica claramente este período. A casa, construída entre 1919 e 1926, pertenceu à família Pereda até 1944, quando foi comprada pelo governo brasileiro.



O Doutor Celidônio Pereda, fazendeiro (‘comme-il faut’) e introdutor de novas técnicas de manejo (como vacinas) que melhoravam a produtividade dos rebanhos, comprou em 1917 um belo terreno urbano, no começo da Avenida Alvear. Tinha, naquele momento, uma idéia fixa que trataria de pôr em prática nas décadas seguintes: erigir uma cópia do edifício parisiense que em 1913 havia sido convertido no Museu Jacquemart-André.



O jovem arquiteto argentino Fabio Grementieri é quem conta hoje essa história. Ele acompanha, como consultor ou responsável, várias obras de restauração de prédios dessa época. E tem especial apreço pela Embaixada do Brasil, onde faz anualmente concorridas palestras sobre sua história e seus tesouros muito bem conservados. O prédio, a mobília e os objetos estão praticamente no estado em que estavam quando a família Pereda recebeu, do governo estrangeiro que acabara de comprar a casa, o prazo de dez dias para deixar o lugar.



Celidônio Pereda encomendou o projeto ao arquiteto francês Louis Martin, nascido em 1867 e formado na Escola de Belas Artes de Paris. A tarefa era tomar como modelo a casa construída entre 1869 e 1875 para o banqueiro Edouard André e sua mulher, a pintora Nelié Jacquemart.



O fazendeiro conhecia bem o modelo. Inclusive seu interior. Pereda acompanhou o projeto com olhos críticos e interessados. Pouco tempo depois de iniciadas as obras em 1919, ele desentendeu-se com o arquiteto por causa de algumas soluções internas. Foi chamado outro profissional, o belga Julio Dormal, formado na Escola Especial de Arquitetura de Paris, que assumiu o projeto a partir de 1920.



Tanto Louis Martin como Dormal eram muito bem conhecidos em Buenos Aires, autores de várias obras na cidade. Dormal, o mais famoso, finalizou a construção do Teatro Colón. Buenos Aires vivia sua Belle Époque, transformando-se em metrópole e oferecendo amplo campo de trabalho para bons arquitetos, construtores e artesãos.



Embora seja cópia muito fiel do Museu Jacquemart-André (principalmente na fachada frontal, junto à Praça Carlos Pellegrini, foto acima), a casa Pereda é um pouco menor e na fachada posterior foi feita uma reinterpretação do modelo parisiense, que segundo Grementieri não alcançou a unidade perfeita obtida na frente.



“Mas o desenho foi muito reforçado por uma escada de duas alas e ampla curvatura, inspirada na escada da Cour du Cheval Blanc do Palácio Fontainebleau.”



Em 1926, quando as obras terminaram e a família começou a habitar a casa, Pereda ainda não estava satisfeito. Ele queria recriar também a decoração intema . A Casa Jansen encarregou-se dos móveis e objetos. Mas o modelo parisiense tinha, nos principais salões, tetos pintados por Pierre Victor Gallanda e painéis de afrescos pintados por Tiepolo e seus filhos no século XVIII. Depois de visitar vários países, Pereda conseguiu encontrar no pintor espanhol José María Sert (1874-1945) um sucessor à altura de muralistas como Tiepolo.



Sert, entre outras obras conhecidas, executou os murais do Rockefeller Center depois do desentendimento entre Diego Rivera e Rockefeller. Para executar a encomenda argentina, Sert recebeu maquetes detalhadas de cada um dos cômodos, com precisas indicações das cores. Sem sair da Europa, pintou os cinco tetos sobre telas do tamanho de cada peça.



Em 1932 as telas chegaram e foram colocadas nos seus lugares. A vida, entretanto, prega peças: nesta época o persistente Pereda já estava cego e não pode ver prontos os murais que havia escolhido com tanto cuidado.



Em 1938, o então presidente brasileiro Getúlio Vargas foi hospedado pela família Pereda em visita a Buenos Aires. Apaixonou-se pela casa e em 1944 comprou-a para instalar a Embaixada do Brasil.



Descuidado com tantas outras coisas, o governo brasileiro neste caso específico tem tratado o patrimônio com desvelo. Grementieri elogia a forma como o Brasil conservou tanto o prédio como os móveis e objetos de arte. Cometeu alguns pecados, como a instalação em local inapropriado de um gerador (já removido) que quase comprometeu parte da casa. Ou a colocação de cortinas de aço (para proteção do interior contra eventuais tiroteios externos). Nada, contudo, que ofusque a excelente impressão que deixa nos visitantes mais exigentes.

4 comentários:

Anônimo disse...

Belo texto, Cesar. Bela casa. Valeu!
Carlos X

Dauro Veras disse...

Estive nessa mansão numa recepção do governo brasileiro e fiquei impressionado por sua opulência. Grato pelo texto.

Wilmor Henrique disse...

A se fosse em Florianopolis, era só o patriarca morrer, os filhos brigariam, venderiam pra uma construtora e a esta hora já tava no chão. E no lugar teriamos um prédio de apartamentos de R$1.000.000,00, afinal, em uma casa destas morariam no máximo 10 pessoas de uma família, e no edifício seriam centenas. Pensando bem,estao ajudando a diminuir o déficit habitacional. heheheheh
Abraço
Wilmor Henrique

Anônimo disse...

Não deverias publicar esse texto e muito menos as fotos. Vai que o Luiz Henrique veja e queira construir uma igualzinha prá ele? Poderia ser para um novo escritório na Europa (Paris ou Roma). Ou, ainda, um novo escritório em Joinville.