Aposto que, se alguém perguntar se o amigo leitor ou a amiga leitora acredita em papai noel, ou em dinheiro caído do céu, irá responder, rapidamente: “claro que não!”
Sim, somos todos gente capaz de perceber quando alguém tenta nos enganar, certo? Errado. O número de pessoas que cai nos diversos “contos” mostra que a cobiça pode nos cegar e que é muito fácil fazer pessoas aparentemente sensatas ficarem de quatro.
A Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro publicou, em 2003, o resultado de uma pesquisa nas ocorrências policiais do estado, especificamente sobre o tipo de estelionato conhecido genericamente como “Conto do Vigário”.
No trabalho, ao buscar a origem deste nome, os autores, João Batista Porto de Oliveira e Walter da Silva Barros localizaram, no Manual de Investigação Policial, do Delegado de Polícia Coriolano Nogueira Cobra, a citação do livro Factos e Memórias, publicado em 1904 por Mello Morais Filho. E lá se informa que os contos-do-vigário no Brasil começaram a ser aplicados antes de 1884. E eram provenientes da Espanha.
Em resumo a história é a seguinte: as vítimas, sempre gente de posses, recebiam cartas e documentos falsos, informando sobre uma herança inesperada, de um parente distante e desconhecido. E diziam que, para regularizar a herança era necessário pagar algumas despesas inadiáveis (para buscas, pesquisas, processos, etc).
Para dar ares de veracidade ao enredo, quase sempre aparecia um vigário, que teria estado presente aos últimos momentos do falecido, dono do tesouro que será herdado. E recebera, em confissão, revelações que, sabe-se lá como, acabaram “descobertas” pelo autor da carta.
O dinheiro pedido, quando enviado, sumia. E é claro que as vítimas nunca mais ouviam falar da herança.
Pois bem, ao longo dos séculos a esperteza se manteve praticamente a mesma. Ou vocês também não acharam grande semelhança desse golpe do século XIX com aquelas cartas que nigerianos e outros africanos enviam (foto acima), pelo correio regular ou por e-mail, pedindo ajuda para lidar com fortunas de milhões de dólares?
A essência desses golpes, além da habilidade e da boa conversa do golpista e sua troupe, é a ganância da vítima. Pro golpe dar certo, a vítima tem que querer lucrar, convencer-se que será ela a autora do golpe.
AS 28 “MODALIDADES”
O trabalho da polícia carioca faz uma analogia interessante: “Eles [os vigaristas] são verdadeiros artistas, atuando permanentemente no palco do cotidiano de suas vítimas.”
E encontraram nada menos que 28 modalidades, ou “peças teatrais” delituosas. Taí a lista, por ordem de ocorrência, no levantamento de 2002:
1) Conto do prêmio ou da recompensa;
2) Conto do anúncio em jornal ou TV;
3) Conto do bilhete premiado;
4) Conto do empréstimo;
5) Conto do falso funcionário;
6) Conto do paco;
7) Conto do veículo com defeito;
8) Conto do emprego;
9) Conto das moedas;
10) Conto do falso depósito;
11) Conto da premiação;
12) Conto do ouro;
13) Conto da falsa revenda;
14) Conto do plano de saúde;
15) Conto do aluguel;
16) Conto da venda de imóvel;
17) Conto da troca de envelopes;
18) Conto do financiamento da casa própria;
19) Conto das ações;
20) Conto do visto no passaporte;
21) Conto da troca de peças;
22) Conto da reparação do gás;
23) Conto da licitação;
24) Conto do cartão;
25) Conto da aposentadoria;
26) Conto da maior probabilidade de sorteio;
27) Conto do feitiço; e
28) Conto do “laranja”.
O golpe mais usado, o do prêmio ou da recompensa, é aplicado por dois vigaristas. Como são bons atores, é certo que jamais parecerão desonestos ou despertarão desconfiança. E assim que a vítima acreditar que poderá levar vantagem, o golpe está pronto. Porque aí, para ficar com o bilhete premiado, com a grana do outro, dará aos vigaristas o que tiver. Quando cair em si, será tarde demais.
[Para baixar a íntegra do trabalho, onde está explicado o modus operandi de cada um desses delitos da lista acima, clique aqui]
“CLICA AQUI”
Pertencem exatamente a esta mesma linhagem de golpes, aqueles e-mails que prometem fotos exclusivas do acidente da TAM, as cenas proibidas de Lula com famosa atriz de TV, as fotos da fulaninha nua que nunca foram publicadas. A vítima (o otário), acha que verá coisas que ninguém mais viu e que ninguém verá e clica onde lhe mandam.
O resultado é sempre tão frustrante quanto o dos golpes tradicionais, aplicados em ruas movimentadas. Em geral o clique resulta na instalação de um programa-espião ou algum vírus no computador. Ou então leva o coitado para algum site onde, por todas as vulnerabilidades do programa de acesso à internet, ele acaba infestado por inúmeros artefatos nocivos.
Agora, me digam, que tipo de impulso maligno leva pessoas de bem a acreditarem num e-mail como este que recebi ontem, que diz, com todos os erros possíveis, o seguinte:
Novo acidente com avião da TAM
Outro acidente grave envolvendo aviões brasileiros.
O vôo do Airbus 3564 da TAM logo após a decolagem teve problemas ainda desconhecidos no seu painel de controle e em seguida caiu nas ruas de São Paulo. O incidente ocorreu em uma area não muito habitada onde 30 passageiros morreram e 5 pessoas onde caiu o avião.
Algumas filmagens feitas por um celular foram publicas no Jornal Hoje da Rede Globo.
Parentes das vitimas choram muito se perguntando porque estão acontecendo tantos acidades de aviões no Brasil. Vejam as imagens gravadas e algumas reportagens com a nossa comentarista Paula Vieira.
E abaixo do texto o “clique aqui” leva a um conhecido site de patifarias (www.qess.co.nz/images/faq/faq/).
[Atenção, não tente ir até lá, não cole este endereço no seu browser, se você não for um pesquisador ou um técnico habilitado para lidar com vírus, trojans e outras pragas].
Será que alguém acha que receberá antes, com exclusividade, por e-mail, uma notícia dessas? Se fosse verdade, estaria na TV e nos sites de notícias. Mas aí entra a essência do Conto do Vigário: a pessoa momentaneamente passa a acreditar em papai noel e, muito “esperta”, clica ali para poder contar para os amigos uma coisa que só ela viu.
Não só não vê, como se ferra e ainda acaba passando a maior vergonha, por ser um esperto tão burro.
Um comentário:
Cesar, faltou a 29 modalidade: o golpe do samuka.
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