sexta-feira, 2 de novembro de 2007

A FÁBULA CONTINUA

Continuamos nossa aventura naquela simpática Ilha no Sul do mundo, também conhecida como Ilha da Fantasia. Ali viviam (vivem?) seres mágicos, que faziam com naturalidade coisas que a maioria dos mortais jamais conseguiria. Desobedecer sem remorso às leis que deveriam proteger as belezas da Ilha, por exemplo.

Até que um dia, preocupadas com o azinhavre que estava esverdeando as moedas da Ilha, as fadinhas Pof, Mip e Juf prepararam uma poção mágica que lhes permitiu ver e ouvir o que aqueles seres estranhos estavam fazendo e, principalmente, como faziam.

O pergaminho onde redigiram o relatório do que viram e ouviram, secretíssimo, está guardado a sete chaves embaixo da velha figueira da praça. Mas o DIARINHO, que não é fraco e que também faz das suas, conseguiu receber, num passe de mágica, o ectoplasma do pergaminho. E tudo o que vocês leram ontem e lerão nesta coluna, foi retirado de lá. Shazam!

Ontem contei a história do Monnaie, político e mágico. Mas, é claro, as mágicas dele só são possíveis porque, do outro lado da linha, está um tipo diferente de criatura, um empresário-mágico, que fornece o alimento, a condução e o estímulo para que Monnaie e todos da sua estirpe possam fazer o que fazem.

Sem um, o outro se atrapalha e pode até ficar sem ação. Embora estudos feitos há séculos, naquela mesma academia onde o Harry Potter estuda, tenham demonstrado que essas raças de mágicos, agrupados pelo nome científico de Corruptae corruptalis, são imortais. Podem até hibernar por um tempo nas cavernas, com ou sem grades, mas não morrem.

UMA PEDRINHA NO CAMINHO
A fadinha Pof, com sua visão privilegiada, descobriu que um desses seres, que chamaremos aqui de Dr. Presto Cuore, moveu literalmente céus e terras para ocupar, com o campinho de cricket do seu castelinho, uma área que as leis e decretos reais da Ilha da Magia disseram que deveria ser preservada, para que a Ilha não perdesse sua fantasia.

Claro, se o grande atrativo da região é a sua natureza exuberante e suas paisagens à beira-mar, permitir sua destruição é matar a galinha dos ovos de ouro. Este deveria ser um conceito que os empresários-mágicos, que lidam com moedas e moedinhas, entendessem com facilidade. Mas não é o que acontece.

Pois o Dr. Presto Cuore queria ocupar justamente uma dessas áreas que deveriam ficar intocadas, ali no bairro de Tangolá. E, no meio do caminho, tinha uma pedra. Uma linda pedra cuidadosamente esculpida pela bruxa Gaia, que levou nisso uns bons mil séculos.

A proposta era de explodir a pedra, que atrapalhava os planos de instalar o campinho de cricket e algumas outras benfeitorias do castelo.

Ao longo de 24 páginas, o pergaminho escrito pela fadinha Pof conta as idas e vindas, nas entranhas da edilidade, desenhando um complexo e feioso jogo de (más) influências.

Uma “naba”, como disse um dos duendes, em seu linguajar estranho: o projeto era totalmente, integralmente, profundamente e irremediavelmente proibido por tudo quanto era regulamento. Mas, porque Dr. Presto Cuore era amigo, irmão, “gente nossa”, todos se esforçaram ao máximo para fabricar uma permissão para explodir a pedrinha.

A altura tantas, a fadinha Pof ouviu, na sua bola de cristal, a seguinte conversa, cheia de códigos:
“Little John: (...) o problema é o seguinte, ali é uma APP. APP, tu não pode fazer absolutamente nada. Eu posso até liberar, mas o IBAMA cancela. Vai ser tipo aquele do irmão do intendente, que nós liberamos aqui na...

Lompa: Tá, mas libera na tua parte e deixa ele, deixa ele se entender com o IBAMA, pô. Me ajuda aí, querido.”
Passada a novela da casinha, o mesmo Dr. Presto Cuore embarca em outra missão, não menos complicada, que vai exigir igual dedicação de todos os envolvidos: construir um sanatório em área de mangue. Parece que ele tem uma certa ojeriza por empreendimento fáceis, em locais permitidos.

VAI CINQUINHO AÍ?
O Monnaie, cuja história contei ontem, era amigo, mas amigo de verdade, praticamente irmão, de gente muito generosa. Empresários-mágicos, que sabiam como abrir portas, gavetas e modificar planos diretores, usando apenas a força de suas palavras cabalísticas e o poder das moedas verdes.

Os duendes públicos/políticos sabiam que, se precisassem, para a festinha no seu condomínio, sortear de brinde estadias no hotel Grandão e no hotel Azulzinho, poderiam contar com os empresários que, além de donos dos hotéis, tinham outros empreendimentos imobiliários, todos dependentes de éditos, proclamas e permissões.

Monnaie mesmo, vivia se queixando que estava “duro” (expressão celta que significa “me dá um dinheiro aí”). E não raro, seus interlocutores/empresários, sugeriam aliviar suas dores, com palavras mágicas de efeito balsâmico: “passa aqui que eu resolvo teu caso”.

E ninguém tem qualquer preconceito quanto a valores. Tanto pode ser um carro, um apartamento, um terreno, milhares de reais, ou coisa pouca, como se lê em outro trecho do pergaminho da fadinha Pof:
“Mr. Padamama recorda agora que, em uma oportunidade em que Monnaie esteve na República Oriental, acabou por mandar depositar uma quantia próxima a R$ 5.000,00 em favor dele e a título de empréstimo, não sabendo dizer se Monnaie restituiu tais valores, uma vez que tal dívida ficou a cargo de seu funcionário, responsável pela parte financeira, Bellini;”
CICERONE DE LUXO
É fundamental, para o bom andamento do metabolismo de todos os seres da família Corruptae corruptalis, que as duas faces da mesma moeda estejam em contato. Por isto, é interessante ler o que consta do pergaminho sobre essa arte milenar de ciceronear:
“Pode-se constatar que Monnaie serviu ao intendente como uma espécie de ‘cicerone’, ao ter aceitado convite para ser líder do governo junto à comuna da Ilha. Monnaie, ao que se pôde depreender, apresentou o intendente ao empresariado da Ilha da Fantasia, tendo em vista sua antigüidade na comuna.”
Estes serviços, como parece lógico, não são gratuitos. A arte de ciceronear um intendente no interior das mágicas florestas empresariais é valorizada tanto de um lado, quanto de outro. Como a fadinha Pof registra:
“Monnaie, em arquivo bruxólico apreendido no escritório da Moranorte em Pequena Boca D’Água Global, é listado como recebedor de benefícios financeiros. Consta na planilha denominada “PAGAMENTOS EFETUADOS NO PERÍODO 01/08/2004 –18/07/2005 – MEI” o pagamento de R$ 40.000,00 para Monnaie.”
Dona de um hotel no aprazível vilarejo de Relvado, nos Alpes Andinos, a empresa-mágica, dona do Pequena Boca D’Água Global, abre suas portas generosamente para Monnaie e seus convidados, sempre que ele precisa. Naturalmente, não pede nada em troca. Apenas mantém o relacionamento, entre os dois lados da mesma moeda, devidamente azeitados.

Nós todos, que penamos para conseguir pagar as férias, ficamos com muita inveja de quem pode, por pura mágica, conseguir, sem qualquer desembolso, o que pedem estes cabogramas interceptados pelas fadinhas:
“Enviada em: 30 de agosto de 2006 11:08
Para: encarregada@pbdg.com.br
Cc: ‘Hehe (E-mail)’
Assunto: RES: reservas Monnaie
E, liga para a Cy e confirme. Tens o fone.
O faturamento é corporativa para Moranorte Pequena Boca D’Água.
tks Leonardo
-----Mensagem original-----
Enviada em: 30 de agosto de 2006 11:02
Para: encarregada@pbdg.com.br
Assunto: RES: reservas Monnaie
Prezada , Confirmo solicitação:
Período: 07 á 10/09/06
03 Luxo Casal + 01 Luxo Single
Período : 02 á 10/09/06
02 Suíte Royal
Aguardo Ok. Recebimento.
Atenciosamente,
Lara - Central de Reservas
Hotel Rock Mountain & Resort”
E o pior é que o que vimos, ontem e hoje, representa apenas uma mínima parte, da enorme área exposta do iceberg. Se levarmos em conta que, além disso, tem uma área ainda maior submersa...

6 comentários:

Anônimo disse...

Um belo "conto de fados", digo, de "safados". Por estas e por outras que não leio mais ficção. Os fatos da vida real são muito mais interessantes e desafiam a imaginação dos melhores escritores. Pena que, afastado da terrinha há 25 anos, não consigo identificar os personagens, ainda que só para matar a curiosidade. Um abraço, contristado.

Anônimo disse...

Parabéns Tio César. Dás um banho. E por favor, nada de emendar o feriadão. Novo capítulo só na terça-feira,6, ninguém aguenta.

Cesar Valente disse...

Obrigado, bruxinha. Amanhã tem coluna, normalmente. Ainda que, nos finais de semana e feriados, o número de visitas caia muito. Às vezes chega a um quinto dos dias normais. Acho que a maioria dos leitores usa o computador do trabalho para ler a coluna, ou, pelo menos, só passa por aqui em horário comercial.

Mas acho que a brincadeirinha da fábula já esgotou. E a troca de nomes não ficou tão óbvia como imaginei. Por isso estou pensando em, se voltar ao assunto, tratá-lo como registro policial real que é.

Anônimo disse...

Cesar disse...
"Acho que a maioria dos leitores usa o computador do trabalho para ler a coluna, ou, pelo menos, só passa por aqui em horário comercial."

Tio Cesar contribuindo para a cybervadiagem... :)

Pelo menos a causa é nobre!

Ave César!

Anônimo disse...

É, também não achei mto interessante a troca de nomes não. Acompanhei quase tudo ateh agora pelos meios de comunicação e mesmo assim teve partes que fiquei viajando...

Coloca logo os nomes dos safados aih...

Abraços

Carlos Andrade

Bonassoli disse...

O Ilton tem toda a razão. Tá melhor do que livro de ficção científica. Nada como histórias de terror verdadeiras para garantir os arrepios.