quinta-feira, 23 de março de 2006

QUINTA

NUM PEDACINHO DE TERRA,
PERDIDO NO MAR...

Hoje é feriado em Florianópolis. Comemora-se o aniversário da cidade, que tem lá seus 280 anos. Há uma certa controvérsia sobre a data exata, mas isso é conversa para outra hora. Agora, o que me cabe, como florianopolitano por nascimento e opção, é dar-lhe, caríssima capital do meu coração, amantíssima Ilha dos ocasos raros, dulcíssima Desterro cuja magia ingênua e envolvente penetra na pele a cada rajada de vento sul, os parabéns.

O DESTERRO NO CORAÇÃO

Temos na lembrança aquela cidadezinha pequena e parada, onde nos conhecíamos a todos pelos nomes, pelos apelidos e sabíamos de todos a vida quase inteira. Temos ainda a teimosia de achar que a vida de então era melhor. Nem nos lembramos mais da Elfa, companhia de eletricidade intermitente, que apagava à noite e tremelicava de dia. Esquecemos do pavimento de madeira da velha ponte, liso como sabão em dias de chuva. E apagamos da memória a difícil viagem para qualquer lugar além do Estreito (e a aventura poeirenta e demorada que era chegar a Canasvieiras).

Viver de saudade, nos ensina a própria vida, só traz incômodo e desconforto. Mas esquecer o passado nos torna imbecis. A dosagem certa, sabedoria difícil de obter, permite alcançar um estado de graça que nos enche de felicidade sempre que, nos dias luminosos de outono, a Ilha se mostra sedutora e bela como deveria ter sido a Terra inteira, logo depois da criação.

A INVASÃO
Tornar-se um destino turístico de grande procura e fácil acesso é a pior coisa que pode acontecer para uma aldeia açoriana. O futuro, que não está longe, vai mostrar que a aldeia acabou, que os estrangeiros venceram e que os nativos, tal qual os indígenas, foram escorraçados para guetos, onde definham até liberar a área, completamente, para a instalação da grande colônia temática de férias em que a Ilha de Santa Catarina tem se transformado a cada verão.

Outro problema sério, que amplia as aflições açorianas e as lamentações a que o sangue luso nos obriga, é a quantidade de turistas que ficam por aqui mesmo. Compram um terreninho, ou dois, ou dez, instalam seus consultórios, lojas, escritórios. E vão atraindo conterrâneos e compatriotas.

Os descendentes de italianos, alemães, austríacos, poloneses, japoneses e outras tantas nacionalidades, que vivem no interior do estado, quando vêm à Capital estudar, também não voltam mais. Até os deputados estaduais compram apartamentos, instalam suas famílias e ficam residindo aqui mesmo depois do mandato terminado.


O DILEMA DO MANEZINHO
Ao mesmo tempo em que reclamamos quando algum jornal em algum país fala mal de Florianópolis ou de algum de seus filhos, reclamamos porque jornais de vários países falam sobre Florianópolis e seus filhos. A gente não gosta de propaganda, mas a gente odeia ser desconhecido. A gente não conseguia pronunciar direito "Florianópolis", chamava de fpólis ou de floranóplis. Mas odiou quando alguém simplificou para "Floripa", palavra até hoje usada muito mais pelos estrangeiros do que pelos locais.

A gente quer ser famoso, mas não quer receber visitas. A gente quer que todos achem que esta é a verdadeira cidade maravilhosa do mundo, mas a gente não quer que o movimento de turistas atrapalhe a nossa rotina ou apresse nosso passo. A gente não admite preparar a cidade para quando tiver um milhão e habitantes ou mais, porque acha que é melhor explodir as pontes, expulsar os estrangeiros e manter o número de habitantes para o qual a cidade está preparada, que não deve ser superior a 50 mil.

Mas a gente gosta de ser moderno, de ter as facilidades das grandes cidades e quer a todo momento sentar-se à frente da casa, na calçada, para tomar a fresca da tarde ou da noite, cumprimentando pelo nome – e a seguir falando mal dela e de toda a família – todas as pessoas que passam.

A minha aldeia açoriana, onde ainda encontro paz e sossego, só existe no passado. Vou lá de vez em quando para descansar. E é uma maravilha, porque não existem ainda pontes que levem ônibus e aviões de turistas ao passado. Muito raramente aparece um ou outro caixeiro viajante, um ou outro militar transferido, um ou outro estrangeiro, como o Zé Perri (Saint-Exupéry) piloto do aviãozinho do correio francês que faz escala ali no Campeche. Uma bela aldeia. Cercada pelo mar, onde a gente joga as fezes, as tripas dos porcos e toda a sujeira. Graças à proximidade do mar e de sua brisa, a aldeia é limpa e a temperatura, agradável.

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro César Valente, O dilema que enuncias parece-me falso. Há, sim, como crescer em população e manter certas características que supostamente apenas cidades pouco habitadas têm (bairros multifuncionais ao invés de zonas especializadas, mistura de faixas de renda, caminhabilidade). Mas para isso é preciso coragem, é preciso sair às ruas e criar momentum político para desmontar o vale-tudo da especulação imobiliária, a opção pelo turismo desterritorializado (cf. "Não-lugar", do antropólogo Marc Augé), a indecência simbólica e ambiental dos condomínios horizontais e a aposta exclusiva no asfalto. Se quiseres conhecer um pouco mais sobre a história de como chegamos a isto - e através desse conhecimento aparatares a tua esperança renovada -, lê o blog Jurerê-bondi-express, de arquitetos gaúchos que amam muito "melhor" esta cidade do que a maioria dos arquitetos locais. E passa adiante a mensagem!
Um abraço, Rafael Azize

Anônimo disse...

Parabéns, Floripa! ôpa, Florianópolis :)
Floripa ou Florianópolis, tanto faz. O importante é que é, mesmo, a melhor cidade do país. Por enquanto. Passei ótimos sete anos na capital de todos os catarinenses. Sou daqueles que foram estudar na capitar e por lá ficaram. Mas gosto mesmo de todo o estado. Como é bom sair de Floripa, andar um pouquinho e encontrar tantas culturas diferentes. Pro sul, italianos; por Vale do Itajaí, alemães; no Norte, mais alemães; no oeste, alemães, italianos e quase-gaúchos :)
enfim, um estado inteiro com a população equivalente à zona leste da cidade de São Paulo. Equivalente em número, quero dizer.