quinta-feira, 14 de junho de 2007

Quinta

JÁ QUE O ESTUPRO É INEVITÁVEL... A Ministra do Turismo, em vez de ficar indignada com a sacanagem que as empresas aéreas estão aprontando pra cima da gente, resolveu, depois do lançamento do Plano Nacional de Turismo, recomendar que os viajantes “relaxem e gozem”, porque no final acabarão esquecendo os transtornos passados nos aeroportos. Depois, chateada com a gozação, digo, repercussão, pediu desculpas pela “frase infeliz”. Relaxa, Marta.

SÓ NOTÍCIA RUIM
O presidente Lula queixou-se ontem da imprensa, que só dá notícia ruim. E isto atrapalharia até o turismo: “Se fala de Pernambuco, é morte, se fala do Ceará, é morte, se fala da Bahia, é morte. Ou seja, ele fala: peraí, eu não vou sair daqui não, vou ficar dentro de casa”.

Claro, magoado com o noticiário envolvendo seus irmãos, de sangue e de afinidade, o presidente sai pelo caminho simplório de culpar o mensageiro. Só que, pensando bem, talvez ele tenha razão. Vai ver o País está mesmo uma maravilha, com o dólar barato, a violência sob controle, a saúde perto da perfeição e esses jornais sensacionalistas só estão inventando coisas e mentindo pra gente!

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Os repórteres são, de fato, uma raça em extinção
FALA, ZÉ: “Um jeito de melhorar o mundo é mantê-lo informado. Povo sabedor das sacanagens que lhe aprontam vota certo e escolhe melhor a corja que o governa. Não vou derrubar o governo todo – e todos os governos – como gostaria. Num país onde os diários, somados, não atingem a 5% da população, jornal não esfarela o candidato nefasto ou o ministro sem-vergonha. Não importa. Se cortasse o pulso toda vez que o pessoal elege Maluf, Collor, FHC e outros cúmplices do PFL e PPB, desprezando meus avisos, estaria maneta há séculos.”

Morreu na terça à noite, em São Paulo, o José Roberto de Alencar, o Zé Grandão, um dos grandes repórteres brasileiros. Uma operação que fizera para corrigir um aneurisma de aorta complicou e ele se foi. No velório, ontem, centenas de colegas, muitos dos principais jornalistas das maiores redações do País. O Zé tinha especial talento para fazer amigos, que cultivava com carinho e que também o admiravam.

Trabalhei com ele na Gazeta Mercantil e depois, quando voltei a Florianópolis, trouxe-o para conversar com alunos do curso de Jornalismo da UFSC (a turma que está com ele na foto acima, tirada em 2002).

E agora, em 2007, estava negociando com ele um seminário para os repórteres aqui do Diarinho. Uma espécie de oficina para dar um novo gás na gurizada (e nos mais vividos também). Mas ele primeiro, estava ocupado escrevendo a biografia do dono da Arisco. E, logo em seguida, teve as complicações de saúde.

Ele deixa dois livros onde conta como fazia algumas das suas reportagens. O primeiro, Sorte e Arte e o último, Muita sorte & pouco juízo. Os títulos resumiam a forma como ele via a profissão. Minimizava seu enorme talento e atribuía grande peso à sorte. E, no fim, mesmo o sujeito mais sortudo, se não tiver a arte, não consegue produzir o que ele produzia.

O ZÉ E A PONTE
Reproduzo, a seguir, trecho do segundo livro, onde ele conta como nasceu uma matéria que ele fez em Florianópolis. E onde, com a generosidade habitual, cita os amigos, dando-lhes o valor que seu grande coração atribuía.

– “O Panorama Debaixo da Ponte”, gosta?

Não entendi, mas gostei. Sílvio Ribas trabalhou na sucursal mineira da Gazeta Mercantil e, depois, chefiou com muita competência a catarinense. Das duas sobraram pautas que ele não teve tempo de transformar em matérias, em geral gostosas de fazer e saborosas. Por isso, quando ficava sem, eu lhe pedia pautas. Agora, lá estava eu diante da mesa de Sílvio Ribas, à cata de outra pauta. E ele me sugeria “O Panorama Debaixo da Ponte”.

– Gostei do título. Detalha.

– É a Hercílio Luz. Debaixo dela, em vez de mendigos, moram bares, restaurantes, agências turísticas, escola náutica, estaleiros, empresas pesqueiras. Dá matéria divertida. Quer?

– Deus lhe pague.

– E por cima dela também passou muita história. O Partido Comunista nasceu na cidade pelas mãos dos seus operários. E lá do alto jogaram no mar os ônibus urbanos de Florianópolis.


Ao voltar para minha mesa, e antes mesmo de pedir aprovação da pauta e da viagem para a chefia, vejo César Valente, editor de Política, dono de um dos melhores textos da imprensa brasileira (e pai de Pedro Valente – geninho da nova geração de jornalistas). César é barriga-verde. Vou falar da pauta e ele me interrompe:


– Foi de lá que a população jogou no mar as jardineiras da Viação Valente, da minha família. Tenho tias em Floripa que podem te contar a história inteira.


Além de me ceder as fontes familiares, César ainda me daria outra sorte: chegaria em Florianópolis no mesmo sábado, junto comigo. Mostrou-me a ilha toda, deu-me uma montoeira de dicas e descobriu que a ONG de sua mulher financiava pesquisas oceanográficas – debaixo da ponte. Ela se encarregou de marcar a entrevista com o pesquisador chefe do projeto, da Universidade Federal de Santa Catarina. De quebra, marcou também com o engenheiro responsável pela Hercílio Luz.

Ficou fácil demais fazer a matéria? Ainda não. Gladinston Silvestrini, repórter da sucursal, tinha outra penca de dicas, um belo arquivo e imensa facilidade para agendar entrevistas. E a vida ficaria ainda mais fácil depois de me encontrar, em Floripa, com Geraldo Hasse, velho amigo e companheiro já nos velhos tempos de Abril e da equipe de Reportagem Especial da Folha de S. Paulo. Geraldo, estudioso, conhecia a história da ponte e do Estreito (ainda hoje o bairro mais populoso de Florianópolis) melhor do que muito professor de História local.

Assim, quando o táxi me deixou na 14 de Julho, no Estreito, na manhã de segunda-feira, eu já sabia tudo sobre (e sob) a Hercílio Luz. Só não sabia que uma das empresas lá instaladas era, simplesmente, uma das duas maiores indústrias pesqueiras do Brasil.
(...)

A história das jardineiras linchadas? Era exagero. De fato, elas eram ruins. Suas janelas, baixas, não protegiam os passageiros da chuva e foram pivô de muito protesto. Mas só. (...)

Sob o título “Debaixo da Velha Ponte, um Rico Panorama”, a matéria foi publicada na Gazeta Mercantil, no dia 6 de agosto de 2001.

3 comentários:

Anônimo disse...

Que notícia, César!!! Tempos atrás, quando ficava sabendo da morte de pessoas talentosas como o Zé Alencar, eu tinha pena do sujeito, da família, dos amigos que sofrem. Hoje fico com pena de quem não conheceu o texto e o talento dele. E está condenado a ler o Diário Catarinense....francamente. Scotto

Bion disse...

Prezado Cesar
Bela homenagem ao Zé Grandão!
:P

Anônimo disse...

Valeu, Cesinha!
Sodadocê, do Zé Grandão, de Floripa...
Abraço a todos. Aproveito pra informar que, inspirado pelo nosso grande amigo repórter que se foi, estou voltando à reportagem, agora em Brasília.