quarta-feira, 13 de junho de 2007

Quarta

DANO MORAL OU
SIMPLES MORDAÇA?

Pouco antes do meio-dia da segunda-feira, o jornalista Paulo Alceu (na foto à esquerda, acima) recebeu, das mãos de um oficial de justiça, intimação informando que o deputado Djalma Berger (na foto à direita, acima) o estava processando e pedindo uma indenização de R$ 100 mil. O objeto da ira do deputado foi uma nota publicada no espaço aberto às contribuições dos leitores, na coluna que Paulo Alceu mantém na internet.

JORNALISMO CIDADÃO

Uma tendência internacional, provavelmente irreversível, na internet, é que jornais e blogues de jornalistas abram espaços para a manifestação de leitores. E foi isso que Paulo Alceu fez, na sua coluna. Instalou lá uma área chamada “Sem Cortes”. Ali os leitores podiam escrever seus comentários e enviar para publicação.

Há quem chame essa tendência de “jornalismo cidadão”. Seria uma forma de ampliar os canais de participação da comunidade. Dar mais voz ao cidadão comum e criar alguma espécie de interatividade, já que os veículos de comunicação tradicionais são eminentemente unidirecionais. Eu escrevo e vocês lêem. E pronto.

Espaços como o “Sem Cortes” tentavam reverter essa comunicação de mão única. E, como toda nova ferramenta ou rotina, tem lá seus problemas. O principal é que nem todos os leitores se dão conta da responsabilidade que é dizer alguma coisa em público. Alguns se escondem no anonimato, usando nomes inventados. Agora, com a ação, o espaço foi fechado.

OS BLOGS E A LEI

Praticamente todos os blogs e sites que mantém espaços para comentários de leitores já tiveram, em maior ou menor dimensão, problemas. E muitos optaram por fazer uma seleção prévia do que vai ao ar. E aí se cria um outro problema: o espaço pode deixar de ser um canal aberto e livre. Perde a função.

É um enorme dilema, que vem sendo discutido em vários países e em muitos foruns. E seria bom que os parlamentares, juizes e advogados começassem a acompanhar e entender como funciona, para poder avaliar com correção os níveis de responsabilidade.

O primeiro processo judicial que retirou do ar um blog, no Brasil, é de setembro de 2004. Uma empresa não gostou de um comentário feito por um dos leitores do blog Imprensa Marrom e pediu na justiça o fechamento do blog.

Exatamente como no caso do processo contra o Paulo Alceu, o dono do blog não redigiu a nota ou o texto considerado ofensivo. Mas é responsabilizado por ter aberto o espaço onde o ofensor se manifestou.

E tanto naquele caso quanto agora, aparentemente o autor da ação não deseja ver restabelecida a informação ou retificada a afirmação, uma vez que não houve, até onde consegui saber, negociação anterior. Apenas o pedido da indenização polpuda e atemorizadora.

Ao contrário do caso pioneiro, contudo, a coluna política do Paulo Alceu continua a ser publicada, o que pode significar um avanço na forma do julgador entender o processo.

“TEM QUE TER LIMITE”

Conversei ontem com o deputado Djalma Berger, para tentar entender os motivos pelos quais ele tomou uma medida tão radical. Ele argumenta que o bem mais precioso que o homem público possui é sua imagem. E precisa, por isso, preservá-la, defendê-la.

Perguntei então se não seria mais eficaz conversar com o Paulo Alceu para que se fizesse a correção do que o leitor afirmou. O deputado aí revelou que tem, com o colunista, outros problemas, além daquele que é objeto da ação. Reclamou, por exemplo, que sempre que pedia uma correção, acabava recebendo mais alfinetadas. Deu a entender que, em outros momentos, não teria sido atendido satisfatoriamente em seus pedidos de retificação.

“Não imaginas o que já aturei. Esgotou a paciência. Não tinha mais o que fazer, chega um ponto em que tem que reagir, tem que se defender”, disse o deputado Berger. Ele acha que é preciso ter limites naquilo que se diz sobre as pessoas e que se a ação fizer com que os jornalistas pensem duas vezes antes de escrever, já terá dado sua contribuição.

DESPROPORÇÃO
Acho que comecei a entender o motivo da reação desproporcional do deputado, quando ele me disse que havia um contencioso, envolvendo inclusive notas e comentários sobre o irmão, prefeito de Florianópolis. Na verdade, embora a ação trate de um caso pontual, de um texto que não é do Paulo Alceu, a motivação para dar um cacetaço desse tamanho não se restringe àquela pretensa ofensa. E aí a coisa fica muito, mas muito mais complicada.

SE A “MODINHA” PEGA...
Essa forma de tratar eventuais problemas de informação com ações de dano moral e pedindo grana não foi inventada pelos advogados do deputado Berger e nem é caso isolado. Um caso muito mais estranho é aquele em que dois jornais estão processando o Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina por causa de algo publicado no site da entidade e pedindo R$ 30 mil de indenização.

O objetivo, novamente, parece que não é obter a publicação da informação correta: é amedrontar, estimular a auto-censura e, sem dúvida, colocar em xeque a liberdade de expressão.

Este caso é particularmente caviloso porque os autores são jornais. Que deveriam estar na linha de frente, em defesa das liberdades e das inúmeras maneiras extra-judiciais de resolver erros e equívocos de informação.

A NOTA DA ACI

Íntegra da nota distribuída ontem:
“A Associação Catarinense de Imprensa manifesta solidariedade e irrestrito apoio a seu Diretor, o jornalista Paulo Alceu, acionado judicialmente pelo deputado federal Djalma Berger, por ter acolhido em seu site uma carta de um leitor.

“Lamenta a iniciativa do parlamentar, uma vez que lhe foi assegurado amplo direito de contestação e resposta em relação às críticas veiculadas.

“Considera que o precedente de processar o profissional é incompatível com o exercício responsável da liberdade de expressão e de imprensa. O jornalista Paulo Alceu não emitiu qualquer juízo de valor sobre a referida nota.

O Brasil vive uma nova experiência na comunicação eletrônica com o advento da Internet, razão pela qual recomenda-se uma relação responsável e democrática entre todas as correntes de opinião visando a futura definição de regras jurídicas que regularão a atividade.”
E OS LEITORES?
O www.pauloalceu.com.br recebeu ontem centenas de e-mails de solidariedade e de incompreensão com o processo. Tive acesso a alguns deles e o sentimento que expressam é de perda de um espaço importante. Muitos acreditam que teria mesmo sido mais eficiente, para o deputado, estabelecer uma discussão naquele espaço e fazer ali a sua defesa.

Num dos e-mails, a assessoria do deputado Padre Pedro Baldissera (PT) conta que um dia apareceu, na seção “Sem Cortes”, um comentário malicioso e inverídico sobre o parlamentar. Eles, então, enviaram um e-mail para o colunista, expondo as razões e pedindo que o comentário ofensivo fosse retirado. Em poucas horas o pedido foi atendido, sem necessidade de qualquer ato mais enérgico ou radical.

E o próprio deputado Baldissera afirma, no e-mail (o grifo é meu):
“Escrevo para manifestar meu protesto contra o fim da coluna Sem Cortes. Além de um espaço único, que permitia a manifestação de pessoas que quase nunca vêem seus pleitos abordados pela mídia, era um dos poucos termômetros claros e diretos que tínhamos para verificar a opinião das pessoas. Sinto que a intolerância de alguns acabe por vitimar a todos nós.”

5 comentários:

Anônimo disse...

Valente:

Também eu sofro com um processo por alegado "dano moral" por ter publicado informações colhidas em documentos de acesso público. Quer dizer: os documentos são de acesso público, mas colocá-los num site pode render dor de cabeça e despesas com advogados. Você deve lembrar do caso, que também noticiou, envolvendo uma empresa de eventos e uma ocupante de cargo de confiança de Secretaria Estadual. Com mais esse ataque à liberdade de imprensa desferido contra o colega Paulo Alceu, reforço que está na hora de discutirmos o "assédio judicial" promovido por agentes públicos contra jornalistas.

Anônimo disse...

Essa é forma dos Berger fazerem política. Eles não gostam de ninguém que descordem de suas "incríeis" maneiras de lidar com a coisa pública.

Anônimo disse...

Caro Cesar, como ja falei para o Paulo Alceu, só reforço minha indignação. Na hora de pedir voto eles são bons, porém quando o eleitor que fazer a cobrança, ou melhor, fazer valer sua cidadania, eles não recebem bem as críticas e usam deste expediente que eu chamo de ditadura democrática. Aí realmente fica difícil. É por essas e outras que a classe política brasileira está desacreditada e desprestigiada. Inté.
Gefferson Sbruzzi.

Anônimo disse...

Cesar.
Realmente a imprensa virou a bola da vez.
Ainda hoje, no jornal da TV, à noite, ouvi o irmão do lambari tentando imputar à imprensa o fato de só haver notícias ruins.
E isto ocorreu logo após a Ministra do Turismo (e sexóloga de araque), ou seria sexóloga (e Ministra de araque), recomendar, aos milhares de passageiros que sofrem nos aeroportos por inoperância do Governo, que "relaxem e gozem". Pode?
Ah, eu não acredito, né!

Cesar Valente disse...

Maurício: por coincidência, na coluna de amanhã eu comento justamente estes dois eventos. As notícias ruins e o conselho da Marta. Se ainda estivesse faltando alguma coisa, com isso agora não faltaria mais nada.