JORNALISMO CIDADÃO
Uma tendência internacional, provavelmente irreversível, na internet, é que jornais e blogues de jornalistas abram espaços para a manifestação de leitores. E foi isso que Paulo Alceu fez, na sua coluna. Instalou lá uma área chamada “Sem Cortes”. Ali os leitores podiam escrever seus comentários e enviar para publicação.
Há quem chame essa tendência de “jornalismo cidadão”. Seria uma forma de ampliar os canais de participação da comunidade. Dar mais voz ao cidadão comum e criar alguma espécie de interatividade, já que os veículos de comunicação tradicionais são eminentemente unidirecionais. Eu escrevo e vocês lêem. E pronto.
Espaços como o “Sem Cortes” tentavam reverter essa comunicação de mão única. E, como toda nova ferramenta ou rotina, tem lá seus problemas. O principal é que nem todos os leitores se dão conta da responsabilidade que é dizer alguma coisa em público. Alguns se escondem no anonimato, usando nomes inventados. Agora, com a ação, o espaço foi fechado.
OS BLOGS E A LEI
Praticamente todos os blogs e sites que mantém espaços para comentários de leitores já tiveram, em maior ou menor dimensão, problemas. E muitos optaram por fazer uma seleção prévia do que vai ao ar. E aí se cria um outro problema: o espaço pode deixar de ser um canal aberto e livre. Perde a função.
É um enorme dilema, que vem sendo discutido em vários países e em muitos foruns. E seria bom que os parlamentares, juizes e advogados começassem a acompanhar e entender como funciona, para poder avaliar com correção os níveis de responsabilidade.
O primeiro processo judicial que retirou do ar um blog, no Brasil, é de setembro de 2004. Uma empresa não gostou de um comentário feito por um dos leitores do blog Imprensa Marrom e pediu na justiça o fechamento do blog.
Exatamente como no caso do processo contra o Paulo Alceu, o dono do blog não redigiu a nota ou o texto considerado ofensivo. Mas é responsabilizado por ter aberto o espaço onde o ofensor se manifestou.
E tanto naquele caso quanto agora, aparentemente o autor da ação não deseja ver restabelecida a informação ou retificada a afirmação, uma vez que não houve, até onde consegui saber, negociação anterior. Apenas o pedido da indenização polpuda e atemorizadora.
Ao contrário do caso pioneiro, contudo, a coluna política do Paulo Alceu continua a ser publicada, o que pode significar um avanço na forma do julgador entender o processo.
“TEM QUE TER LIMITE”
Conversei ontem com o deputado Djalma Berger, para tentar entender os motivos pelos quais ele tomou uma medida tão radical. Ele argumenta que o bem mais precioso que o homem público possui é sua imagem. E precisa, por isso, preservá-la, defendê-la.
Perguntei então se não seria mais eficaz conversar com o Paulo Alceu para que se fizesse a correção do que o leitor afirmou. O deputado aí revelou que tem, com o colunista, outros problemas, além daquele que é objeto da ação. Reclamou, por exemplo, que sempre que pedia uma correção, acabava recebendo mais alfinetadas. Deu a entender que, em outros momentos, não teria sido atendido satisfatoriamente em seus pedidos de retificação.
“Não imaginas o que já aturei. Esgotou a paciência. Não tinha mais o que fazer, chega um ponto em que tem que reagir, tem que se defender”, disse o deputado Berger. Ele acha que é preciso ter limites naquilo que se diz sobre as pessoas e que se a ação fizer com que os jornalistas pensem duas vezes antes de escrever, já terá dado sua contribuição.
DESPROPORÇÃO
Acho que comecei a entender o motivo da reação desproporcional do deputado, quando ele me disse que havia um contencioso, envolvendo inclusive notas e comentários sobre o irmão, prefeito de Florianópolis. Na verdade, embora a ação trate de um caso pontual, de um texto que não é do Paulo Alceu, a motivação para dar um cacetaço desse tamanho não se restringe àquela pretensa ofensa. E aí a coisa fica muito, mas muito mais complicada.
SE A “MODINHA” PEGA...
Essa forma de tratar eventuais problemas de informação com ações de dano moral e pedindo grana não foi inventada pelos advogados do deputado Berger e nem é caso isolado. Um caso muito mais estranho é aquele em que dois jornais estão processando o Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina por causa de algo publicado no site da entidade e pedindo R$ 30 mil de indenização.
O objetivo, novamente, parece que não é obter a publicação da informação correta: é amedrontar, estimular a auto-censura e, sem dúvida, colocar em xeque a liberdade de expressão.
Este caso é particularmente caviloso porque os autores são jornais. Que deveriam estar na linha de frente, em defesa das liberdades e das inúmeras maneiras extra-judiciais de resolver erros e equívocos de informação.
A NOTA DA ACI
Íntegra da nota distribuída ontem:
“A Associação Catarinense de Imprensa manifesta solidariedade e irrestrito apoio a seu Diretor, o jornalista Paulo Alceu, acionado judicialmente pelo deputado federal Djalma Berger, por ter acolhido em seu site uma carta de um leitor.E OS LEITORES?
“Lamenta a iniciativa do parlamentar, uma vez que lhe foi assegurado amplo direito de contestação e resposta em relação às críticas veiculadas.
“Considera que o precedente de processar o profissional é incompatível com o exercício responsável da liberdade de expressão e de imprensa. O jornalista Paulo Alceu não emitiu qualquer juízo de valor sobre a referida nota.
O Brasil vive uma nova experiência na comunicação eletrônica com o advento da Internet, razão pela qual recomenda-se uma relação responsável e democrática entre todas as correntes de opinião visando a futura definição de regras jurídicas que regularão a atividade.”
O www.pauloalceu.com.br recebeu ontem centenas de e-mails de solidariedade e de incompreensão com o processo. Tive acesso a alguns deles e o sentimento que expressam é de perda de um espaço importante. Muitos acreditam que teria mesmo sido mais eficiente, para o deputado, estabelecer uma discussão naquele espaço e fazer ali a sua defesa.
Num dos e-mails, a assessoria do deputado Padre Pedro Baldissera (PT) conta que um dia apareceu, na seção “Sem Cortes”, um comentário malicioso e inverídico sobre o parlamentar. Eles, então, enviaram um e-mail para o colunista, expondo as razões e pedindo que o comentário ofensivo fosse retirado. Em poucas horas o pedido foi atendido, sem necessidade de qualquer ato mais enérgico ou radical.
E o próprio deputado Baldissera afirma, no e-mail (o grifo é meu):
“Escrevo para manifestar meu protesto contra o fim da coluna Sem Cortes. Além de um espaço único, que permitia a manifestação de pessoas que quase nunca vêem seus pleitos abordados pela mídia, era um dos poucos termômetros claros e diretos que tínhamos para verificar a opinião das pessoas. Sinto que a intolerância de alguns acabe por vitimar a todos nós.”
5 comentários:
Valente:
Também eu sofro com um processo por alegado "dano moral" por ter publicado informações colhidas em documentos de acesso público. Quer dizer: os documentos são de acesso público, mas colocá-los num site pode render dor de cabeça e despesas com advogados. Você deve lembrar do caso, que também noticiou, envolvendo uma empresa de eventos e uma ocupante de cargo de confiança de Secretaria Estadual. Com mais esse ataque à liberdade de imprensa desferido contra o colega Paulo Alceu, reforço que está na hora de discutirmos o "assédio judicial" promovido por agentes públicos contra jornalistas.
Essa é forma dos Berger fazerem política. Eles não gostam de ninguém que descordem de suas "incríeis" maneiras de lidar com a coisa pública.
Caro Cesar, como ja falei para o Paulo Alceu, só reforço minha indignação. Na hora de pedir voto eles são bons, porém quando o eleitor que fazer a cobrança, ou melhor, fazer valer sua cidadania, eles não recebem bem as críticas e usam deste expediente que eu chamo de ditadura democrática. Aí realmente fica difícil. É por essas e outras que a classe política brasileira está desacreditada e desprestigiada. Inté.
Gefferson Sbruzzi.
Cesar.
Realmente a imprensa virou a bola da vez.
Ainda hoje, no jornal da TV, à noite, ouvi o irmão do lambari tentando imputar à imprensa o fato de só haver notícias ruins.
E isto ocorreu logo após a Ministra do Turismo (e sexóloga de araque), ou seria sexóloga (e Ministra de araque), recomendar, aos milhares de passageiros que sofrem nos aeroportos por inoperância do Governo, que "relaxem e gozem". Pode?
Ah, eu não acredito, né!
Maurício: por coincidência, na coluna de amanhã eu comento justamente estes dois eventos. As notícias ruins e o conselho da Marta. Se ainda estivesse faltando alguma coisa, com isso agora não faltaria mais nada.
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