domingo, 5 de novembro de 2006

SEGUNDA

Uma réplica do 14bis (avião inventado pelo Santos Dumont) que deveria fazer uma exibição em Paris para comemorar o centenário do primeiro vôo, estabacou-se todo e não voou nem um metro. Os norte-americanos, que dizem que foram os irmãos Wright que inventaram o avião, devem estar rolando de rir com o fiasco.

LIBERDADE! LIBERDADE! ABRE AS ASAS SOBRE NÓS
Uso um verso do hino da Proclamação da República para começar uma conversa que venho adiando.

No final de semana, um leitor, do PSB, mandou uma provocação que me estimulou a deixar a preguiça de lado e, mesmo cheio de dedos e cuidados, enfrentar o assunto.

Disse-me o Wladimir Crippa:
“Ô Cesar, desde que ‘descobri’ sua coluna na internet, não passa um dia sem que eu a acesse. Mas ultimamente tenho achado você meio ‘amargo’. Parece que não digeriu a vitória do Lula, e a cada dia que passa não deixas de ‘dar uma cutucada’.
É preciso sim haver a crítica, mas uma crítica fundamentada, séria. A crítica pela crítica diminui a dimensão do jornalismo.

Se fala muito na questão da liberdade de imprensa. Sou plenamente a favor! Mas os mesmos que criticam Lula, não escreveram uma linha a respeito do absurdo que foi a condenação do Emir Sader por causa de um artigo em que criticava Jorge Bornhausen. Inclusive você, Cesar, não comentou nada a respeito.

O assunto não merece ser comentado, ou como se trata de um expoente da esquerda que foi condenado, nada merece ser dito?”
VAMOS POR PARTES
Para que eu “não digerisse a vitória do Lula” seria necessário, primeiro, que eu fosse partidário de outro e que tivesse me considerando derrotado nas urnas. Quanto às cutucadas, não as pratico porque o governante é este ou aquele. Cutuco porque governo existe para ser cutucado. A “esquerda” e a “direita” fazem isso quando seus interesses são contrariados. Os jornalistas devem fazer sempre. Quando por mais nada, para sentirem-se livres, independentes, para incomodar os poderosos.

E Lula, embora seus marqueteiros joguem com essa dicotomia fraco-forte, povo-elite, é o poderoso de plantão e máximo representante da elite que dirige o País.

CRÍTICA FUNDAMENTADA
Quando eu era jovem e o presidente da república era um general, havia censura prévia em alguns jornais e auto-censura nos demais. Falava-se muito que as críticas deveriam ser sempre construtivas. Qualquer coisa que desagradasse, parecesse fora do esquema, era qualificado como crítica destrutiva, nociva, despropositada.

Agora, essa história volta, com vocábulos ligeiramente diferentes. Crítica série, crítica fundamentada, são netas da crítica construtiva. O Crippa, talvez até inspirado pela nota oficial que a direção nacional do seu partido publicou, reclama que falo mal do Lula. E nas últimas semanas, no País todo, muita gente resolveu bater nos jornalistas, para exigir que as críticas superficiais e levianas sejam substituídas por críticas fundamentadas e sérias.

EXPOENTE DE ESQUERDA
O Crippa, como muitos outros brasileiros, tem o Emir Sader em alta conta. Alguns chegam a considerá-lo um intelectual a cujas opiniões devem prestar atenção. Não compartilho do mesmo ponto de vista.

Da mesma forma, não morro de amores pelo Senador Jorge Bornhausen. Embora muita gente o considere um líder político a cujas opiniões devem prestar atenção.

Pois bem, o Senador, otimista, disse que o PT seria derrotado e que o País se veria livre “dessa raça” pelos próximos 30 anos.

O Emir Sader, a exemplo de tantas outras pessoas, não gostou do que Bornhausen falou. E escreveu um artigo, que reli ontem, para refrescar a memória, que exalava ódio por todas as letras. Espero que não seja exemplo da tal crítica séria e fundamentada que nos pedem. Foi uma cacetada raivosa e sem qualquer brilho.

O CONDENADO
Bornhausen sentiu-se ofendido com o artigo de Sader e processou-o por injúria, calúnia e difamação. O juiz aceitou os argumentos e condenou Sader (que ainda pode recorrer).

A reação à condenação do expoente foi tal (a CUT emitiu uma nota solene e grave, como se as instituições estivessem ameaçadas) que um sujeito mais distraído poderia pensar que algum desvão autoritário, algum resquício ditatorial o teria alcançado.

E falam que a condenação cerceia a opinião, que o pobre professor Sader não pode dizer o que pensa. Até onde eu sei, todos podemos. E cabe a quem se sentir ofendido, buscar seus direitos. E a quem for processado, defender-se. Não entendi o que pretendem os que protestam contra a sentença do Juiz. A impunidade não é boa para a democracia, por mais que isso doa.

MIOPIA
Esquerda e direita são conceitos que têm sido modificados pela prática, pela história. Não fosse assim, poderíamos dizer que temos, no Brasil, um governo de esquerda. E não temos.

Mas há parcelas da esquerda que insistem em viver no melhor dos mundos. Atribuem a Bornhausen e a FHC toda a maldade humana e não enxergam o que ocorre no governo Lula.

E a face perversa é que em vez de se irritarem com quem permite, dentro do governo, que os aloprados ajam, que as trapalhadas aconteçam, que as propinas sejam cobradas na maior cara de pau, preferem colocar a culpa na imprensa, porque divulga o que acontece.

É claro que nem todos são calmos e bonzinhos como eu e nem todos os jornais são sérios como o DIARINHO, mas não consigo lembrar de um único episódio da nossa história recente, que tenha sido inventado pela imprensa.

A meu ver, aliás, os jornalistas estão devendo reportagens investigativas e um acompanhamento mais agressivo dos fatos. As coisas têm surgido por causa de denúncias, de gravações clandestinas, do Ministério Público, da Polícia Federal. Não por causa de repórteres fuçadores e teimosos.

Portanto, caro Crippa, lamento não considerar o Emir Sader um mártir da liberdade de opinião. E vou tentar balancear melhor as minhas críticas: cutucar também o governo estadual, não só o federal. Pra equilibrar, pau na turma do Bornhausen aqui e no Lula lá.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sou outro que sempre lê sua coluna, gosto pra caramba, mas tbém acho que vc anda meio azedo com o Lula. E olha que não votei nele, mem no Geraldo.

Te digo que anda me surpreendendo algumas coberturas da mídia. Por exemplo, o episódio do dossiê apareceu na grande mídia pendendo muito para um lado só.

A análise do episódio que apareceu na Carta Capital é meio assustadora:
link aqui

Que se complementa com a divulgação da gravação feita quando o delegado da PF entrega as fotos para os jornalistas, dizendo que queria ver aquilo no jornal nacional:
link aqui

Se tudo isso for verdade mesmo, a situação é gravíssima. Mesmo não sendo PT dá pra entender um pouco da bronca deles com a mídia...

Anônimo disse...

Cesar
Parabéns pelo texto de hoje. Essa postura da "milícia" petista, procurando inimigos dentro de casa para denunciar, já ocorreu antes na história e está ocorrendo na América latina em País que não devemos ter como modelo. Assusta-me.
Abraços.