quinta-feira, 2 de novembro de 2006

QUINTA

A vida é um incêndio: nela
dançamos, salamandras mágicas
Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?

Em meio aos toros que desabam,
cantemos a canção das chamas!
Cantemos a canção da vida,
na própria luz consumida...
Mário Quintana
Inscrição para uma lareira

Eu e meus mortos
Hoje é o dia nacional de ir aos cemitérios. Coisa estranha. Mais estranha ainda é aquela gente que diz que é o dia de “ver os mortos”. Não literalmente, é claro, mas de ir até as tumbas, dar uma olhadinha. Varrer, limpar, colocar flores de plástico novas, polir as letras. Acho que muita gente vai aos cemitérios como quem vai à feira ou ao shopping. E limpa os túmulos como quem varre a frente da casa.

Os nossos mortos não estão lá, estão aqui. E se não estão aqui, é porque talvez não sejam nossos mortos ou quem sabe já deixaram de ser. Eu, pelo menos, carrego os meus sempre comigo. Às vezes guardo num armário e deixo por uns tempos meio esquecidos, mas é só me descuidar e eles voltam, ficam ali do lado, observando, sem dar palpites, é verdade, mas eu sei que eles estão ali.

Depois de um tempo, aprendemos a conviver com nossos mortos, acho, da mesma maneira que eles aprendem a conviver com a gente. Sem espantos, sem incômodos. Por isso não acho que seja assim tão necessário ir até o cemitério uma vez por ano, no dia nacional de ir aos cemitérios. Lá está uma ossada (ou nem isso, dependendo do tempo que passou), talvez uma lápide, quem sabe um epitáfio. Lá fica mais fácil de lembrar a data exata, porque geralmente está escrita. Os nossos mortos, contudo, não estão lá.

Quando meu pai estava doente, dei pra ele um livro do Mário Quintana. E marquei um verso, que achei interessante. Meu pai gostou muito, soube depois, porque pediu que ele fosse colocado no túmulo, como epitáfio: “Que importa restarem cinzas, se a chama foi bela e alta?” Os mortos, ou pelo menos os meus mortos, não são a cinza. São a chama, bela e alta, que aparece vez ou outra no olhar de algum neto, na sonoridade de alguma tarde, na risada que de repente me sai mais do jeito dele que meu.

Talvez, daqui a alguns anos, eu até vá ao cemitério. Não por causa das cinzas e ossos, mas como quem vai visitar a obra do prédio em que comprou um apartamento na planta. Observar como é a vizinhança, ver se a paisagem é interessante, se venta muito, se tem muito barulho ao redor. Mas eu, como meus mortos, não pretendo morar ali. A vizinhança é muito quieta, as ruas são arborizadas, mas, com toda essa violência, essas desinteligências, acho que é muito melhor e mais interessante sair por aí, ajudando os coitados dos anjos da guarda e, nas horas vagas, ficar vendo as moças, coitadas, que saem às ruas de saia, em dia de vento sul.

TIO CESAR ERROU
Definitivamente, estou precisando de férias. Até já encaminhei o requerimento pedindo férias, mas foi recusado porque estava só em duas vias e sem o carimbo da alfândega. A prova que estou no limite das minhas forças é que numa única nota da coluna de ontem cometi vários erros. Todos devidamente anotados e corrigidos por leitores atentos e bem educados, que me xingaram polidamente.

Foi naquela história da convocação extraordinária da Assembléia para apreciar a batelada de novas leis que LHS vai propor: a Assembléia Legislativa de Santa Catarina não tem mais graninha extra. Os deputados aprovaram uma emenda constitucional que acabou com a remuneração extra no caso de convocação extraordinária, ao mesmo tempo em que reduziu o tempo de recesso (que é como eles chamam as férias).

A outra confusão que fiz foi quanto à data da convocação: o governador toma posse dia 1° de janeiro, mas os deputados estaduais só no dia 1° de fevereiro. Portanto, é possível, provável e natural que o LHS só coloque em votação os novos projetos em fevereiro, na nova legislatura, pela simples razão que ali ele terá folgada maioria, que garantirá aprovação rápida e fácil.

O TAMANHO DA MAIORIA
O leitor Rogério Paiva pede que se faça um esclarecimento. Lula foi reeleito com 60,83% dos votos válidos, o que não significa que tenha sido eleito pela maioria dos 126 milhões de eleitores. Os votos válidos excluem abstenções, votos brancos e nulos. Portanto, Lula teve 46% dos votos dos eleitores brasileiros. E isso, argumenta o Rogério, não é a maioria dos eleitores. É um pouco menos da metade. E bem longe da unanimidade.

O CAOS ANUNCIADO
Há muitos anos que se sabe que o controle do espaço aéreo brasileiro é uma bomba prestes a explodir. Pois agora explodiu. No rastro de 144 mortos, quase uma semana de caos e desordem com incalculáveis prejuízos para enorme parcela da população (num país do tamanho do Brasil avião não é luxo, é necessidade). E os responsáveis estão batendo cabeça, sem saber o que fazer ou como resolver o problema, que continua crescendo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu e meus mortos. Que belo texto, Cesar. Triste e lindo. Parabéns, Scotto