sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

SEXTA

“INEXPLICÁVEL
E BÁRBARA
VIOLÊNCIA”

Na foto ao lado, as marcas das algemas e da violência num dos braços do professor Lage. E abaixo a íntegra da nota distribuída ontem:
“As entidades e instituições abaixo relacionadas denunciam com veemência a inexplicável e bárbara violência cometida contra o professor universitário, jornalista e escritor Nilson Lage, preso e espancado por policiais militares no último final de semana, em Florianópolis, Santa Catarina.

O professor Nilson Lage sentiu-se mal no último sábado, quando dirigia no bairro onde vive, em Florianópolis, conseguiu parar o carro, mas ficou desacordado. Em vez de receber a ajuda que necessitava naquele momento, foi hostilizado pela Polícia Militar ao ser encontrado dormindo dentro do veículo. Foi algemado, jogado em um camburão e levado a uma delegacia. As marcas em seu corpo – principalmente nos punhos e nos ombros – comprovam a inexplicável violência contra um senhor que neste 2006 completa 70 anos de idade.

Nilson Lage conta com uma trajetória de amplos serviços prestados ao longo dos últimos 50 anos como jornalista, professor e pesquisador do jornalismo. Trabalhou, como profissional jornalista, nas principais redações do Rio de Janeiro, entre as quais as do Diário Carioca, Jornal do Brasil, Última Hora, O Globo, Bloch Editores e TVE. Paralelamente, fez uma brilhante carreira acadêmica como professor da Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal do Rio de Janeiro e outras instituições de ensino. Desde 1992, trabalha como professor Titular do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. É autor utilizado como referência em todos os cursos de graduação e citado em dissertações e teses sobre jornalismo, com obras vendidas aos milhares.

Reiterando nosso protesto pela violência do comportamento policial, solicitamos às autoridades competentes a apuração do caso, a punição dos responsáveis, o reparo dos danos morais e a tomada de providências quanto ao preparo das nossas polícias, para que lamentáveis fatos como estes não voltem a ocorrer em Santa Catarina ou em qualquer lugar do país.

São injustificáveis e inaceitáveis espancamentos por quem deve garantir a paz, e o abuso da força por quem, ao tê-la, deve impedir o seu uso. Lembramos que justamente aqueles que detêm o poder devem assegurar tratamento humano e digno a todos os cidadãos.”
Assinam o manifesto a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), o Fórum Nacional dos Professores de Jornalismo, a Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo, o Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, o Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro, a Associação dos Professores da Universidade Federal de Santa Catarina, o Centro Acadêmico Adelmo Genro Filho, do Curso de Jornalismo da UFSC e o Departamento de Jornalismo da UFSC.

A VERSÃO DA POLÍCIA
(Não confundir com “aversão à polícia”)

Tanto no caso do fotógrafo Cláudio Silva quanto no caso do professor Nilson Lage, a história que os policiais contaram a seus superiores difere do que afirmam as vítimas.

De Lage dizem que ele estava dirigindo embriagado e simplesmente o retiraram o carro e como ele os desacatou, conduziram-no à delegacia. Do Sarará dizem que ele estava embriagado como ele os desacatou, conduziram-no à delegacia.

O que Lage conta pode ser lido na nota oficial que reproduzi acima. Mas a partir do momento em que a polícia chegou, o que se viu foi um festival de despreparo dos agentes da lei para lidar com situações como essa, que exigem competência, informação, formação e sensibilidade.

QUE PM É ESSA?

Os mais jovens ou os que chegaram a Florianópolis há pouco tempo podem não acreditar, mas nós já tivemos uma das polícias militares melhor preparadas para lidar com a população. Mesmo na época da ditadura, era comum a gente encontrar oficiais esclarecidos, bem formados, que viam a função policial de uma maneira profissional. Em algum momento da história, porém, isso começou a mudar.

Talvez seja o aumento de ocorrências mais graves, o estresse causado pela constante ameaça de gangues armadas, a bandidagem organizada, ou alguma redução nas verbas para treinamento. Houve uma deterioração daquele nível de profissionalismo e voltamos quase à idade da pedra.

AÇÃO DOENTIA
Aquela cena, gravada ano passado, na avenida Beira-Mar, numa manifestação contra o transporte coletivo, é muito importante pra gente perceber os sintomas de uma enfermidade.

No primeiro momento o policial se aproxima de um galalau mais alto que ele que estava onde não devia estar. Como a ordem era desobstruir a via pública, o policial fez o que tinha que fazer: agarrou o garoto, tirou seu pé de apoio, derrubou-o e o imobilizou. Pronto. Até aí é uma ação policial violenta, mas compreensível e dentro dos padrões aceitos internacionalmente.

Uma força policial bem treinada, profissional, pararia aí. Mas ele não parou: com o cidadão no chão, imobilizado, o PM, aparentemente fora de si, passou a esmurrá-lo até deixá-lo desacordado. Ação completamente desnecessária, que daria nota zero a esse policial nas academias militares de muitos países e cadeia e expulsão nos tribunais também de muitos países.

FORÇA E AUTORIDADE
Em todo lugar, toda organização, todo grupo, tem sempre alguns “maus elementos”. Gente que não se prepara, não entende sua função, não estuda e ainda leva para o trabalho recalques e problemas pessoais.

A impressão que a gente começa a ter, ao ver episódios envolvendo a PM, é que o oficialato não está conseguindo enquadrar os “maus elementos” e promover os melhor preparados. O resultado é uma sensação desagradável, de medo da polícia e de desconfiança de seus atos. Este é o pior cenário, para quem ainda acredita nas instituições.

Update do sábado: trago pra cá uma observação interessante feita ali nos comentários, porque nem todo mundo tem saco de abrir os comentários pra ler.
ok, césar!
mas “oficialato não está conseguindo enquadrar os 'maus elementos'” me pareceu equivocado. os pms agem assim pq sao submetidos ao mesmo tipo de agressão e humilhação por parte do "oficialato". Há inúmeros casos de abuso de poder de oficiais. Nesse carnaval, um major deu um carteiraço pra tirar o filho bêbado de uma blitz. só consultar a denúncia na corregedoria. Os PMs também estão submetidos à um código disciplinar do século retrasado.


CANTINHO DOS LEITORES

FOTO DRAMÁTICA – A foto acima foi mandada por um leitor. Não consegui saber quem foi o autor ou autora (talvez seja a Leninha), mas não pude deixar de utilizar. Acho que ela representa bem o clima que paira sobre a capital, com essas desinteligências todas.

ÁGUA MARROM – O César Curtarelli escreve pra reclamar da Casan, que segundo ele entrega água “suja, torpe e com cor de urina (mas sem o cheiro)” nas torneiras de Balneário Piçarras e coloca na propaganda que tem “a água mais pura”. Ô xará, isso não dá um processinho de propaganda enganosa no Procon, não?

PROCESSO ARQUIVADO
– O Sérgio Rubim (o Canga) manda e-mail, felicíssimo com o arquivamento, pela Justiça, do processo onde o governador LHS tentava enquadrá-lo na Lei de Imprensa por crime de calúnia e difamação. Segundo ele, “o LHS gosta de perseguir jornalistas”.

INDIGNAÇÃO
– O Chico Veríssimo, de Itajaí, escreve para dizer que lê e recomenda a coluna e para solidarizar-se com o Nilson Lage. Ele acha que LHS e Benedet tinham que, no mínimo, vir a público pedir desculpas ao professor. É, eu também acho. Mas, cá entre nós, acho que isso só vai acontecer no dia de São Nunca.

2 comentários:

Anônimo disse...

Na verdade, já sei o que fazer quando precisar da polícia...vou chamar os bombeiros e rezar para que os ladrões se assustem com o barulho da sirene...É uma vergonha...
Ótimos textos..abraços

Anônimo disse...

ok, césar!
mas "oficialato não está conseguindo enquadrar os 'maus elementos'" me pareceu equivocado. os pms agem assim pq sao submetidos ao mesmo tipo de agressão e humilhação por parte do "oficialato". Há inúmeros casos de abuso de poder de oficiais. Nesse carnaval, um major deu um carteiraço pra tirar o filho bêbado de uma blitz. só consultar a denúncia na corregedoria. Os PMs também estão submetidos à um código disciplinar do século retrasado.