quarta-feira, 24 de maio de 2006

QUARTA

A BATALHA DECISIVA
DO GRANDE LUTADOR

O meu amigo Daniel Herz está atravessando um momento crítico, na luta que vem travando, há alguns anos, contra o câncer. E como talvez exista muita gente que ainda não conhece o Daniel Herz, queria aproveitar para falar um pouco dele e de suas lutas.

O Daniel é um daqueles caras que fizeram valer cada minuto das suas vidas e dedicaram cada segundo para correr atrás de seus ideais. E, mais importante que tudo, construiu ideais solidários, coletivos, num extraordinário desprendimento pessoal, dedicando-se às causas em que acreditava.

Daniel numa foto mais ou menos recente e a capa do livro que o tornou nacionalmente famoso.

Década de 80, em Florianópolis. Daniel Herz (à esquerda), Luiz Lanzetta e, à direita, eu próprio. Nesta época, além de companheiros de birita, éramos professores da UFSC.

O Daniel é um sujeito com inteligência acima da média, uma visão política generosa e uma enorme capacidade de luta e trabalho. Sempre tive enorme orgulho dele me considerar seu amigo e sempre que podia, na época em que convivíamos mais de perto, tentava fazê-lo esquecer as lutas, o salvamento da humanidade, trazendo-o para o meu mundo, que é mais lúdico e mais irresponsável. E saíamos a comer dezenas de pastéis de uma vez só, a conversar bobagens, a olhar as bundas das moças e a planejar molecagens muito divertidas que nunca realizamos.

DEMOCRATIZAÇÃO
Conheci o Daniel em 1980, na Universidade de Brasília, onde ambos cursávamos o mestrado em Comunicação. Naquela época, ele estava no início de uma das suas grandes lutas: a democratização da comunicação. E a batalha do momento era tentar democratizar a tv cabo, cuja regulamentação estava sendo discutida.

Liderados por ele, um grupo de colegas, de estudantes, eu junto, fizemos inúmeras incursões ao Congresso Nacional, fazendo lobby pelo modelo de tv por assinatura mais democrático, com canais comunitários, com canais para universidades, para romper com o modelo mercantilista da tv aberta, onde tudo é comércio e mercadoria.

Chegamos a conseguir que deputados amigos convocassem o ministro das Comunicações a se explicar e, durante a audiência, ficávamos, de deputado em deputado, sugerindo as perguntas, explicando onde estava o erro do que o ministro falava, mostrando na papelada distribuída antes, do que se tratava. Naquela época, como agora, faltava aos nossos representantes interesse pelas questões nacionais que não envolvessem dinheiro para suas bases. Era preciso dar-lhes tudo mastigadinho.

PONTA DE FACA
Tantos eram os obstáculos, que qualquer outro teria desistido. Mas o Daniel não é qualquer outro.

De tanto estudar os negócios da comunicação no País, escreveu um livro, “A História Secreta da Rede Globo”, que ficou muito tempo na lista dos mais vendidos da revista Veja e teve mais de uma dezena de edições.

E enquanto o livro fazia sucesso e furor, por contar episódios da criação da rede que normalmente eram relatados em voz baixa, Daniel se reunia com empresários, entre os quais representantes da Globo, para discutir a implantação da tv a cabo.

Ainda na década de 80, Daniel veio para Florianópolis, dar aulas no Curso de Jornalismo da UFSC, que estava começando. Ele e a professora chilena Maria Helena Hermosilla, que também era recém-chegada, deram um verdadeiro e duradouro “choque de gestão” no Curso.

Acolhidos pelo então Coordenador Moacir Pereira, tiveram os dois espaço e ambiente para semear suas idéias revolucionárias, cujo resultados, alguns anos depois, eram a excelência do Curso e o respeito internacional.

O TIO DANIEL
Quando a primeira turma do jornalismo da UFSC ia se formar, o Daniel teve uma idéia fantástica, daquelas dele: aproveitar as fotos que existiam da turma, desde a primeira fase, e montar um audiovisual para ser apresentado na solenidade de formatura.

Ajudei-o na tarefa e tudo foi feito em segredo, para que os formandos não tivessem idéia do que os esperava. Airton Kanitz, recém chegado de uma temporada na Deutsche Welle, fez a narração, com uma voz de veludo. No dia, as luzes apagaram, a música cientificamente escolhida começou e os slides, em preto e branco, se sucederam, contando a história da turma.

Os momentos importantes do curso e daquela meninada foram criando um clima tal que, ao acender as luzes, não havia uma só pessoa (exceto o sorridente Daniel), que não tivesse os olhos vermelhos de tanto chorar. As famílias dos formandos, então, se debulhavam em lágrimas, tocados pela história vivida por seus filhos naqueles quatro anos.

Daniel gosta de emocionar, mobilizar, provocar. E deixou, nos corações e mentes de seus alunos, marcas fortes e, acho, permanentes.

A TV DIGITAL
Mesmo doente (um tipo raro de câncer no sangue que o obriga a ir várias vezes ao ano aos Estados Unidos, para o tratamento), assim que melhora um pouco, volta a lutar. Naturalmente, está metido na luta pela democratização da tv digital.

Agora em maio, Daniel deu uma entrevista ao Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (www.fndc.org.br), onde fala sobre sua luta mais recente. A seguir um trecho (no jornal usei um outro trecho, mais curto, por questões de espaço):
“O governo Lula não mostrou a existência de um projeto estratégico para a área de comunicação social, apesar das inúmeras propostas que emergiram neste sentido, inclusive do FNDC, que apresentou um projeto para desenvolvimento da comunicação social no Brasil, e, embora tivesse sido aprovado pelo PT, essa proposição, nas definições programáticas, sequer foi divulgada publicamente e muito menos implementada. Não tivemos a transformação que poderíamos ter feito, tanto no sentido do desenvolvimento mais saudável, do ponto de vista econômico e democrático do sistema privado e também dos sistemas público e estatal, como estabelece a Constituição. Portanto, não tivemos transformações significativas no setor de comunicação social. Em relação ao debate da digitalização, a criação do Sistema Brasileiro de TV Digital não foi cumprida, porque o próprio decreto que estabelecia a participação da sociedade não foi cumprido. É um processo que ainda está inconcluso, que pode ser ainda revertido, mas a verdade é que prosseguiu (do governo FHC para o governo Lula) uma insensibilidade do governo em relação à importância da comunicação social e das possibilidades do governo federal de estabelecer ações que pudessem ampliar o grau de democratização dos sistemas no Brasil.”
[Para ler a entrevista, clique aqui.]

6 comentários:

Anônimo disse...

Por onde anda o amigo Airton Kanitz?
Fabio

Cesar Valente disse...

Fabio, o Kanitz está em Porto Alegre. Mas não sei exatamente onde (talvez na Ocergs eles saibam).

Anônimo disse...

Obrigado, vou tentar encontrar aquele porra-lo(u)ca. Antes dele si mandar para Europa, trabalhamos juntos, na época Fedrizzi.Aprontamos diversas e boas "garrafadas" com o Sestrem (outro que também não gostava -hic)
Fabio.

Anônimo disse...

Um abraço fraternal para o Daniel, que conheci nos loucos anos 1980 --- ele, professor da UFSC, eu repórter do Santa. [Escrevi matéria à época sobre o livro em que ele dissecou a Globo].
Abraço fraternal e solidário. Melhoras e muitos anos de luta pela frente!
Carlos Damião

Anônimo disse...

Olá César,
Primeiramente gostaria de lhe dar um abraço fraterno pela morte de Daniel Herz.
Sem dúvida, o vazio deixado por Herz não será preenchido por ser uma pessoa singular neste país pobre de pessoas nobres.
Com certeza, Herz nos deixou grandes exemplos e, agora, o que nos resta é seguirmos estes exemplos.

Que Deus abençoe você e conforte a todos os familiares e amigos.

Anônimo disse...

Bela homenagem a um grande homem. Um abraço!