Tem gente que acha mesmo que essas chuvaradas, com enchentes e enxurradas são coisas novas. Pode até ter alguma alteração climática, mas essas coisas acontecem há muitos anos.
Vou aproveitar o sábado chuvoso e de vento forte, pra contar uma história que vivi no começo da década de 60 (e que acabou entrando aqui no blog na madrugada do domingo). Bem no comecinho. Não posso, assim de cabeça precisar o ano, mas é fácil descobrir: a Auto Viação Santo Anjo da Guarda, de Tubarão, tinha recebido os primeiros ônibus Mercedes-Benz diesel, de cara chata. Brasília era o assunto do momento, não por causa dos seus políticos, mas por causa de sua construção e inauguração. E eu ainda morava em Tubarão (mudei-me para Florianópolis em 1964).
Minha mãe era auditora da Receita Federal (na época chamava-se “coletora federal”) sediada em Tubarão. E de vez em quando tinha que vir a Florianópolis. Às vezes vinha de avião (tinha linha regular, com o bimotor DC-3, da TAC), mas ela não gostava muito de voar. Algumas vezes eu vinha junto.
Nesta vez, em especial, meu pai, que era dentista, tinha ficado em Tubarão e viemos só minha mãe e eu à capital. Aqui moravam tias, primos, primas, tanto do lado dos Valente, quanto do lado dos Macedo. Sempre achei Florianópolis, onde nasci, muito divertida.
Pegamos o ônibus da Santo Anjo para voltar. Lembro que era um ônibus novo, alto, com motor ao lado do motorista. Como tinha uns sete ou oito anos, tem muitos detalhes que não lembro (e posso ter trocado, ao longo dos anos, alguma coisa). Mas lembro que quando descemos o Morro dos Cavalos, o ônibus parou: a reta que se seguia, no vale, estava toda embaixo d'água. Mesmo com toda a altura do ônibus, não daria pra passar. Voltamos até a Enseada do Brito.
Por algum motivo (provavelmente alguma queda de barreira ou outros alagamentos), tivemos que dormir ali mesmo, na Enseada, em casas que, com a cortesia que era hábito naquela época, abriram suas portas para os passageiros do ônibus. Eu estava achando tudo muito divertido.
No dia seguinte, cedinho, fomos de novo até o outro lado do Morro dos Cavalos, pra ver se dava pra passar. Que nada, a enchente continuava. O ônibus tentou avançar o quanto deu, mas não foi muito longe. Passou os primeiros trechos, mas logo adiante havia uma área mais funda. Alguém apareceu com uma canoa e os passageiros foram levados até o outro lado. Lá, embarcamos na carroceria de um caminhão (a viagem estava cada vez mais divertida, eu sabia que nunca me esqueceria daqueles dias), que nos levou até Paulo Lopes.
A esta altura já começava a anoitecer novamente e outro pernoite foi arranjado em casas de família da cidade. No dia seguinte, um ônibus que estava trancado em Paulo Lopes levou-nos até as Sete Pontes, local perto de Garopaba, um baixio com sete pequenas pontes de madeira, que, é claro, estavam todas embaixo d'água. Dali não passava. Mas, do outro lado deste alagamento, estava outro ônibus, que tinha vindo de Tubarão.
Atravessamos de canoa este último trecho alagado e aí acabou-se a parte inusitada da viagem. O resto do trajeto foi normal. Estrada de terra (acho que tinha alguns trechos com a 101 em construção), balsa em Imaruí e chegamos em casa cheios de histórias pra contar.
Enchente nunca me assustou, talvez porque, em Tubarão, desde que me lembro, tinha enchente todo ano. Claro que não eram grandes alagamentos, ficavam circunscritos a áreas conhecidas. Lá em casa (foto abaixo), quase sempre chegava até a garagem e interrompia o caminho que eu fazia habitualmente para a escola (ôba!).
Em 1974 a coisa perdeu a graça, porque ocorreu o grande desastre, em que a água cobriu a casa, que não era mais nossa (como disse, a gente se mudara pra capital dez anos antes). Mas eu estive lá, como repórter, nos dias seguintes à tragédia, e entrei na casa da foto, que ainda estava cheia de lodo, do teto ao porão. Mas isto é outra história.